Evento reuniu autoridades e especialistas do setor (Foto:Gerardo Lazzari)
Durante a cerimônia de abertura do 4º Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio (CBDA),realizado na última terça-feira, 19 de março, em São Paulo, capital, e promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), Renato Buranello, presidente do IBDA, enfatizou que a sistema judicial desenvolve papel preponderante para o agro e crítico ao desenvolvimento econômico. A seu ver, a proteção dos vínculos contratuais tem demonstrado muita relevância, como requisito essencial para se ter segurança nos negócios e mais investimentos.
“Precisamos conceber instituições coerentes não apenas com a tese da riqueza compartilhada, mas ligadas também ao conceito de liberdade econômica”. Comentou ainda sobre os temas em debate no Congresso, que incluem dois assuntos que vislumbram o futuro, como a regulamentação do Fiagro, mercados de capitais e bioeconomia, e outros dois que estão em uma agenda mais antiga, como as ameaças ao direito de propriedade, insegurança de contratos e incertezas de crédito.
Para Guilherme Mendes Resende, Assessor Especial da Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), os investimentos dependem do bom funcionamento do poder público, tanto do ponto de vista do legislativo, ao preparar leis adequadas ao país, como pelo executivo, ao implementar e monitorar as iniciativas, e pelo judiciário, ao trazer segurança jurídica, para cumprimento das leis e dos contratos. Para ele, são necessárias uma interlocução entre os poderes e a avaliação dos custos-benefícios das escolhas das políticas públicas. Comentou ainda que os instrumentos jurídicos podem garantir o desenvolvimento do agro, com preservação ambiental.
João Pedro Nascimento, Presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM); destacou os esforços adotados pela instituição para aumentar a representatividade do agro dentro do mercado de capitais devido a relevância do setor para a economia do país, como por exemplo, a edição final da regulamentação do Fiagro, aumentando a prateleira de produtos disponíveis dos investimentos nos mercados de capitais para a economia real voltada para o agro.
A respeito do Estado de São Paulo, Guilherme Piai, Secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, comentou sobre as prioridades de trabalho, como a segurança jurídica, o seguro rural e o CAR (Cadastro Ambiental Rural). Ele anunciou que a pasta está preparando anúncios importantes para o mês de abril, como disponibilizar R$ 90 milhões no seguro rural em 2024 e dois Fiagros, direcionados à irrigação e ao armazenamento. A secretaria pretende expandir a irrigação no Estado, que atualmente está com 6% de área irrigada.
Seguindo o tom otimista de Piai, Guilherme Campos Jr., Superintendente do Ministério da Agricultura e Pecuária no Estado de São Paulo, afirmou que o Brasil é protagonista, inovador e compete para ganhar, por isso atualmente é líder de produção e exportação em diversas culturas e criações. “Nosso agro vem crescendo, gerando riqueza e atraindo cada vez mais investimentos”, pontuou.
Também participaram da solenidade de abertura Arnaldo Jardim, Deputado Federal, Vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária FPA; Tereza Cristina, Senadora da República; e os presidentes Silvia Massruhá (Embrapa), Luiz Carlos Corrêa Carvalho (Associação Brasileira do Agronegócio – ABAG) e Sérgio Bortolozzo (Sociedade Rural Brasileira – SRB).
Baixa produtividade e situação fiscal são os desafios para o crescimento econômico
O ex-Ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, economista e sócio da Tendências Consultoria, afirmou que existem dois desafios para o crescimento econômico: a baixa produtividade e a insustentável situação fiscal. “Mesmo diante desse cenário, o país está preparado para enfrentar essa crise fiscal, a fim de navegar, sobreviver e criar condições para seu ressurgimento, pois possui instituições fortes e um sistema financeiro sólido e bem regulado”, disse o palestrante que tratou do tema Limitações para o crescimento do País, durante o Congresso.
Em relação à baixa produtividade, Nóbrega avaliou que a reforma tributária, cujos princípios básicos foram preservados, como legislação única em todo o território nacional, isenção integração das exportações e imunidade tributária dos investimentos, pode contribuir para solucionar esse desafio.
Tensionamento entre os poderes amplia insegurança jurídica no agro
O acirramento entre demandas e pautas que eram do âmbito do legislativo e foram deslocados para o judiciário resultaram em um tensionamento entre os poderes. Com isso, o que tem sido visto é a judicialização de questões ligadas ao setor. Atualmente, são 500 ações que de forma direta ou indireta pode afetar o sistema agropecuário, de acordo com Rudy Ferraz, Diretor Jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
“O poder executivo precisa cuidar do presente, enquanto o legislativo normatiza, pensando no futuro, e o judiciário visita o passado”, disse Ferraz, durante o painel Direito de Propriedade, Função Social e Contratos Agrários, moderado por Francisco de Godoy Bueno, Conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), que abordou ainda a recente decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da inconstitucionalidade do Marco Temporal e a promulgação pela Câmara do complemento da Lei.
Nesse sentido, João Lima Junior, Sócio do Lima Junior Domene e Advogados Associados, contextualizou o tema do Marco Temporal e afirmou que segurança jurídica e direito a propriedade estão relacionadas. “Segurança jurídica pode ser traduzida como previsibilidade em todas as suas relações”, pontuou. Outra questão importante é a proteção estatal para essa relação, pois é preciso ter a certeza de que o contrato será cumprido. Para ele, há uma crise constitucional em relação à propriedade no campo por conta das incertezas sobre o Marco Temporal.
A insegurança jurídica também prejudica os investimentos no setor, segundo Guilherme Rodrigues da Cunha, CEO da Ceres Investimentos. “Estamos vivenciando a primeira crise de preços no agro depois da pandemia, além da crise climática, o que trouxe um cenário desafiador. Essas questões somadas aos desafios em relação ao direito de propriedade, impossibilita acessar garantias e a recuperar o crédito”, explicou.
Ponderou que cerca de dois terços dos investimentos vêm da iniciativa privada e quanto mais crítica fica a situação ou menos esclarecidas são as questões, a compreensão do investidor fica prejudicada. “Estamos voltando a um cenário anterior a 2018, quando era muito difícil fazer a composição das garantias dos papeis. Esse cenário coloca o setor em um momento de muita fragilidade. Por isso, precisamos nos unir para que os contratos sejam cumpridos”..
Thiago Castelliano, Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, trouxe avaliações sobre as mudanças em relação às decisões judiciais de reintegração de posse, especialmente quando se envolve grandes grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade. Houve a instituição de comissões para propor estratégias para o cumprimento judicial nesses casos, a fim de conceder prazo razoável para que aquela situação possessória seja desfeita. Ele comentou que existem 46 procedimentos abertos, sendo 24 na zona rural em seu estado.
Regulamentação do Fiagro pode ser publicada no segundo semestre de 2024
A consulta pública para a regulamentação dos Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), realizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), reuniu os comentários de mais de 20 participantes, entre entidades setoriais, escritórios de advocacia e gestores independentes. A partir da análise desses comentários, será feita uma recomendação para aprovação do colegiado da CVM. Dessa forma, Bruno Gomes, Superintendente de Agronegócio e Securitização da CVM, afirmou, durante o evento, que a regulamentação pode vir a ser publicada no segundo semestre deste ano.
Segundo Gomes, entre os pontos mais comentados foram a criação de um Fiagro mais abrangente, apelidado de Fiagro Multimercado, por não haver ainda um nome oficial, e a inserção do mercado voluntário de carbono para estimular a originação do crédito de carbono. Ele citou ainda que o Fiagro tem uma dinâmica diferente de fundos imobiliários no que tange à distribuição de dividendos aos investidores, estando mais de acordo com o lucro contábil de uma companhia, e lembrou que a regulamentação do agro na CVM é relativamente nova.
“O Fiagro é um fundo diferente, que terá mais flexibilidade a partir da regulamentação final a ser divulgada pela CVM. E esse fato pode contribuir para resolver diversos desafios, como casos de Recuperação Judicial e até mesmo recuperação de pastagens degradadas”, destacou Rafael Gaspar, Sócio do Pinheiro Neto Advogados, que acrescentou que é necessário ter essa visão de longo prazo, pois cenários de crise ou de RJ não se resolvem em pouco tempo. “É o produto ideal, que pode simplificar muitas coisas. Com isso, o agro pode liderar essa frente”.
Moderado por José Angelo Mazzillo Júnior, Consultor da CNA, ex-Secretário de Política Agrícola do MAPA, o painel Agronegócio e Mercado de Capitais – A Regulamentação do FIAGRO contou com a participação de Flavia Palacios, Coordenadora da Comissão de Securitização da Anbima, que disse que a associação possui um grupo temático ligado ao agronegócio, observando o mercado de capitais e seus instrumentos e agentes.
“O Fiagro é o principal instrumento, mas, de alguma forma, precisamos olhar o setor como um todo, incluindo o Fiagro neste espectro”, acrescentou. Sobre a sustentabilidade, ela avaliou que o mercado de capitais brasileiros e o agro podem ser fomentadores desses financiamentos sustentáveis não apenas para o Brasil, como para o mundo. Citou ainda que foram feitas operações de CRA destinadas a investidores europeus.
Para Cesar Junior, Gerente Executivo de Soluções para o Agronegócio na Serasa Experian, houve uma evolução na governança nos últimos anos, sendo palavra de ordem para as empresas que concedem crédito. “Com isso, diretores financeiros, CFOs começaram a se qualificar para entender o mercado de capitais, pois não há vida sem governança”, pontuou.
A seu ver, a governança precisa estar bem concatenada em uma esteira, pois são muitos dados e verificações que precisam ser feitos. Em sua avaliação, o ambiente regulatório compreende a sazonalidade do agronegócio, a fim de não descasar os investimentos e créditos com a liquidez do cliente.