O mundo tem apenas 15% de solos férteis na superfície terrestre, o que traz consequências para a humanidade
Ainda pouco valorizado, o solo é a base de 95% da alimentação do mundo. Porém, o coordenador geral e científico da NPV – Nutrientes Para a Vida, Valter Casari, alerta que hoje 33% de todos os solos do planeta estão degradados.
Os solos férteis, ainda segundo o especialista, também são raros e valiosos, representando apenas 15% de toda a superfície terrestre.
“Uma única colher de sopa de solo contém mais organismos vivos do que seres humanos na Terra. E estes ambientes ricos demoram vários milhares de anos a formar-se, mas hoje estão ameaçados por diversos fatores. Apesar de não pensarmos suficientemente, é o solo que nos carrega, nos sustenta e nos nutre. Isso é o suficiente para celebrar um dia mundial dedicado ao solo”, destaca Casarin.
“Esse tributo se deve à importância dos solos na alimentação da população mundial, além de outras funções como as hidrológicas, de proteção da biodiversidade, ou relacionadas com o armazenamento de carbono”, completa.
Proteção dos solos é fundamental
Para o agrônomo, proteger o pouco solo que resta no planeta representa, portanto, uma questão fundamental para garantir a soberania alimentar e a sustentabilidade do nosso modelo agrícola.
A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) estima que, desde a década de 1950, o teor de nutrientes dos solos diminuiu, levando assim a um declínio na qualidade dos alimentos para as populações.
Este fenômeno, conhecido como “fome oculta”, representa uma ameaça para mais de 2 milhões de pessoas no mundo e junta-se a outras ameaças que pesam sobre a agricultura e a alimentação global.
“Várias causas foram claramente identificadas como as principais causas desta degradação do solo: agricultura intensiva, poluição proveniente da indústria e dos transportes, erosão e impermeabilização dos solos. Todos estes fatores levaram à degradação de 33% do solo do planeta, alguns deles de forma irreversível”, afirma Casarin.
Fertilizantes e a reposição nutricional
O coordenador da NPV explica ainda que o fertilizante pode ser um importante aliado para resolver a carência nutricional dos solos.
“É através deste insumo que o produtor rural consegue inserir os nutrientes carentes no solo, criando um ambiente favorável para que as plantas possam se desenvolver e produzir. É através do uso de fertilizante que se repõe os nutrientes ao solo e, assim, permite a nutrição adequada para conquistar o aumento de produtividade.”
Casarin ressalta ainda que os fertilizantes não são produtos tóxicos, mas fonte nutricional para as plantas.
“Os nutrientes que os fertilizantes têm em sua composição são aqueles essenciais para os vegetais completarem seu ciclo de vida, ou seja, produzir grãos, frutos e outros produtos usados como alimento animal e humano”, explica.
“São esses nutrientes que irão nutrir os animais e o ser humano, permitindo que estes possam ter energia para suas inúmeras atividades. Como consequência da produção de alimentos pelo uso de fertilizantes, tem-se a garantia da segurança alimentar”, finaliza.
Além dos nutrientes
Para o pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), Arnaldo Colozzi, o conceito de solo fértil não se limita mais à simples prevenção da erosão e à adição de nutrientes.
“A perspectiva moderna exige que o solo seja vivo, com uma atividade biológica robusta. Solos aparentemente ricos em nutrientes, nem sempre traduzem em produtividade”, pondera o pesquisador.
O conceito de solo fértil se iguala a solo saudável, entendendo o solo como um sistema vivo. A mudança no paradigma sobre a funcionalidade do solo evidencia que um solo vivo é essencial para ciclagem de nutrientes, agregação do solo, matéria orgânica e infiltração de água.
“A FAO teve uma habilidade enorme de chamar a atenção para a capacidade de armazenamento de água do solo. As pessoas começam a ter exatamente a noção do que é um solo capaz de armazenar água. No solo que tem água todos os processos funcionam bem, o solo é vivo”, pontua.
Processo erosivo
O descuido no controle da erosão hídrica é outro ponto que merece atenção na opinião do especialista em manejo de conservação dos solos, Oromar Bertol, que integra o time de sócios do Núcleo Estadual Paraná da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (NEPAR-SBCS).
“No caso do Paraná, por exemplo, embora tenham ocorrido melhorias em algumas regiões nesses quase 10 anos, o período também testemunhou retrocessos, especialmente no controle do processo erosivo”, opina Oromar.
“Não se pode esquecer da relação entre solo e água na agricultura. Para conseguir boas produções é necessário que o solo possua qualidade com disponibilidade de água. Estocar água no solo é estratégico para controlar a erosão e é fundamental para o processo produtivo”, afirma.
Contudo, um dos principais desafios enfrentados pela assistência técnica e pela extensão rural é convencer o agricultor sobre a importância de preservar os recursos naturais.
Segundo ele, as recomendações precisam chegar de forma adequada para o agricultor perceber a necessidade de preservar os recursos naturais.
“Pode-se afirmar que as instituições de pesquisa e de ensino já produziram informações suficientes para o uso saudável do solo e da água. Porém, a comunicação com o mundo rural deve se dar de tal forma que facilite ao agricultor entender e internalizar as estratégias apropriadas que deve adotar para preservar tais recursos, considerando as particularidades da sua propriedade”, afirma Oromar, lembrando que o solo e água são o patrimônio mais importante na propriedade.
Sistema Plantio Direto
Ele ressalta que o Sistema Plantio Direto (SPD) é considerado a ferramenta mais eficiente para controle da erosão em áreas de culturas anuais, porém, poucos agricultores aplicam os três pilares: revolvimento mínimo do solo, cobertura permanente do solo e rotação de culturas.
Oromar Bertol considera que a agricultura conservacionista, quando feita de forma completa e não parcial, garante a proteção do solo e a produtividade com lucratividade. Hoje em dia, somente entre 10% e 20% dos produtores seguem os três pilares do SPD. Os demais 80% a 90% adotam apenas parte dos princípios do SPD.
A professora Mônica Sarolli, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioste) – Campus de Cascavel, observa que existem regiões no esatdo onde os agricultores ainda recorrem à escarificação para facilitar a infiltração da água no solo.
“Essa prática revela que o sistema plantio direto precisa ser efetivamente implementado. A sucessão de culturas, prática comum no Paraná, não favorece a escarificação biológica em que plantas com sistema radicular profundo criam canais para infiltração da água”, afirma Mônica.
Ela também destaca que a crise de fertilizantes químicos, que atinge vários países, pode ser uma oportunidade para valorizar os compostos orgânicos como fonte de nutrientes para as culturas.
“Esses resíduos orgânicos, provenientes de processos biológicos podem ser aplicados no solo para aumentar a fertilidade e a produtividade agrícola”.
Segundo a professora, o Plano Nacional de Fertilizantes, lançado pelo governo federal, com destaque para os bioinsumos, “traz luz a uma alternativa de reciclagem de nutrientes e matéria orgânica”.
O Brasil apresenta grande potencial para aproveitamento dos resíduos orgânicos provenientes do meio rural, urbano e agroindustrial.
A professora entende que a disseminação da valorização dos processos de tratamento dos resíduos orgânicos como compostagem, vermicompostagem e digestão anaeróbia, para destinação ambientalmente adequada dos resíduos, favorece o uso agrícola dos produtos gerados.
Poluição do solo
A professora Eloana Bonfleur, da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, destaca outro ponto de atenção, tema do seu trabalho: a poluição dos solos. Ela observa que em relação a contaminação dos solos, o relatório de 2015 da FAO menciona que os avanços em países desenvolvidos ocorreram devido ao rigor e cumprimento da legislação acerca dos limites máximos permitidos para substâncias químicas em solos.
“Em outras palavras, a sociedade entendeu que a adoção de políticas públicas de fato diminui o problema com a poluição dos solos. No Brasil, a resolução do CONAMA 420/2019 instruiu que os Estados são responsáveis pela determinação dos valores orientadores de referência de qualidade”, afirma Eloana.
Contudo a pesquisadora lembra que ainda há muito trabalho a ser feito neste sentido no país.