Congresso Brasileiro do Agronegócio reuniu, em São Paulo, autoridades do segmento e trouxe o tema “Brasil Agro: Inovação e Governança” para debate
Para atender a demanda de proteína animal, carboidratos e fibras, levando em consideração o sequestro de carbono e a proteção de biomas, na prática, será preciso uma quantidade de terras em hectares equivalente ao território do Brasil.
Foi com essa informação que a consultoria McKinsey, abriu o primeiro painel do 22º Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado na última segunda-feira, dia 7 de agosto, em São Paulo, que teve, como tema principal, “Brasil Agro: Inovação e Governança”.
“Existe terra disponível, mas será muito mais cara por causa da recuperação de terras degradadas. E, o Brasil tem competitividade e potencial para contribuir com essa demanda”, disse Nelson Ferreira, sócio sênior e líder global de Agricultura da Mckinsey & Company.
Uma pesquisa da consultoria com 5,5 mil produtores agrícolas revelou que o agro brasileiro está na vanguarda de digitalização, com as propriedades rurais utilizando os canais digitais para aquisição de produtos, insumos e máquinas.
Em agricultura regenerativa, o Brasil está liderando essa aplicação, tanto no plantio direto, na Integração Lavoura-Pecuária, como no uso de fertilizante de taxa variável. Da mesma forma, na área de controle biológico, bioestimulante e biofertilizante, o país é quem mais aplica esse tipo de tecnologia.
Entre os principais desafios citados estão a taxa de juros, custos de transação, tempo de processamento e exigência de garantia. “Por isso, as fintechs no setor de financiamento para o campo estão crescendo”, pontuou.
Em termos do uso de tecnologia de agricultura de precisão, o Brasil fica em terceiro lugar, com 50%, atrás da Europa, com 62%, e da América do Norte, com 61%. Contudo, o país lidera quando se trata do uso de hardware para agricultura de precisão e de tecnologias relacionadas à sustentabilidade.
Inovar para ampliar a produtividade
O segundo painel do Congresso, Inovação e Mercados, mostrou como a tecnologia de dados pode contribuir na transparência das informações do setor, além de ressaltar que o Brasil produz alimentos com baixa pegada de carbono.
A Agricultura 4.0 é vista nas máquinas, nos equipamentos, nos implementos agrícolas, mas também na negociação dos produtos agropecuários. Na ocasião, Ingo Plöger, vice-presidente da ABAG, ressaltou a importância da inovação no processo produtivo.
“O mundo conta hoje com 8 bilhões de pessoas, sendo 800 milhões em insegurança alimentar. Com inovações é possível aumentar a produção e dar maior acessibilidade a um público que hoje não tem essa opção. Esse é o motor com o qual construímos mercados e o futuro”, disse Plöger.
Já o vice-presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores – ANFAVEA, Alexandre Bernardes, citou a revolução contínua pela qual o segmento do agro vem passando com o foco em maior eficiência na produção de alimentos para o mundo. “A conectividade é o oxigênio para essa transformação. Hoje não conseguimos dar o próximo passo de produtividade se não houver essa interligação”, salientou.
De acordo com Juca Andrade, vice-presidente de Produtos e Clientes da B3, é importante fortalecer os empreendimentos dentro e fora da porteira com inovação. Ele mencionou que no agro há cerca de 30 empresas, com market cap de R$ 650 bilhões, o que revela um universo ainda a ser explorado.
Andrade citou o Fiagro, fundo de financiamento do agronegócio, também com bastante espaço para crescer, revelando a força e representatividade do setor. “Temos 35 Fiagros listados na B3 com um patrimônio de R$ 8 bilhões e cerca de 300 mil investidores”, frisou.
Um mercado em crescimento precisa de proteção e o setor de seguros, segundo Pablo Ricoldy, diretor da BrasilSeg, que apontou o dinamismo do setor e ressaltou a importância do seguro, não apenas em relação à questão financeira, mas à tranquilidade proporcionada ao produtor e à indústria, abrindo novos espaços de investimentos.
“Entre 16% e 18% da área do Brasil é segurada, há um espaço muito grande para crescer e, consequentemente, uma responsabilidade das empresas em expansão, oferecendo ao segmento de seguros todo um ecossistema de proteção”, relatou.
Cadeias Produtivas e Inovação
Um ecossistema colaborativo entre as cadeias produtivas do agro, os institutos de pesquisa e a academia e os investimentos em inovação são fundamentais para atender as demandas de consumidores, países e mercado financeiro por informações sobre a produção sustentável do agronegócio.
“Quando se trata de inovação na indústria, pensamos em novos produtos e tecnologias, mas precisamos ir além, pois apenas os produtos não são mais suficientes. A digitalização e o papel dos dados têm sido pontos chave”, afirmou Malu Nachreiner, CEO da Bayer Brasil, durante o painel Cadeias Produtivas e Inovação.
A Bayer, em parceria com a Embrapa, conta com o programa PRO Carbono, que busca compreender as práticas sustentáveis que resultem em maior produtividade, menor pegada de carbono, maior sequestro de carbono de 1,9 mil produtores rurais do país.
“Os agricultores estão ávidos por inovação, e estamos trabalhando em conjunto para conhecer todos esses aspectos”, disse Nachreiner, que citou um novo projeto da companhia para rastrear a produção de uma safra piloto de grãos, para ter informações sobre sustentabilidade e produtividade. “Os dados podem contribuir para sair de um cenário no qual o Brasil é visto como um problema, para outro panorama, no qual o país será parte fundamental da solução.”
“Sem dados não é possível ter transparência, ou seja, atender as atuais demandas por informação”, enfatizou, Davide Ceper, CEO da Varda. Para ele, essa prática dá visibilidade ao Brasil, impulsionando o agro a ser mais ainda mais sustentável e produtivo, por conta das práticas que já aplica no país.
Ceper acredita que a digitalização aumentará as aplicações de agricultura de precisão e de outras tecnologias para mostrar como é feito o cultivo e qual é a pegada de carbono da plantação.
O painel foi moderado por Silvia Massruhá, presidente da Embrapa, e contou com a participação de Ricardo Scheffer, CEO da Sonda Brasil. Ele disse que a tecnologia já é uma realidade do agro e uma aliada no crescimento do negócio e da economia do setor.
“A principal discussão é como, efetivamente, levar essa tecnologia ao campo. Existe uma oportunidade de 75% de cobertura de agro em território nacional com algum nível de carência de comunicação de dados. Como levar a tecnologia para o campo sem essa conectividade? Esse é um grande desafio”, ressaltou.
Para Luiz Lourenço, presidente do Conselho de Administração da Cocamar, os pequenos e médios produtores devem contar com tecnologia e práticas sustentáveis, para serem inseridos na chamada revolução digital. “O cooperativismo é indispensável para o pequeno e médio produtor levando, não apenas recursos, mas apoio técnico e comercial. É como uma luz suficiente para que ele possa enxergar os problemas e buscar soluções em conjunto”, disse.
Lourenço destacou ainda Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) como uma estratégia de produção inteligente para elevar a produtividade das pastagens, integrando culturas e trazendo resultados positivos ao produtor, a médio e longo prazo. “O valor bruto da produção da pecuária é equivalente a um décimo do valor da produção de outras culturas”, comparou.
Papel do País na estratégica da transição energética global
O Brasil é uma potência agroambiental e precisa participar de maneira estratégica da transição energética global. Essa foi uma das conclusões do painel Geopolítica e Governança. “A transição para a economia verde não tem volta, mas, como qualquer mudança haverá retrocessos no meio do caminho. Não podemos deixar que isso nos iluda, são apenas freios de arrumação”, afirmou Roberto Azevedo (ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio – OMC). “Transitar para a economia verde é algo complexo, trabalhoso, com algumas medidas mais drásticas e outras menos”, acrescentou.
Em sua avaliação, as políticas ambientais redistribuem um custo na economia e encarecem o parque produtivo e, para equalizar a situação com o mercado interno, pode haver um encarecimento do produto importado. Segundo Azevedo, não existe investimento no âmbito empresarial de países desenvolvidos que não se leve em conta as emissões de carbono. “Elas próprias se impuseram disciplinas e compromissos no quesito ambiental”, disse.
Outro ponto importante trazido pelo Azevedo foi a importância de se ter uma visão integrada sobre essa transição para a economia verde, para que o país possa participar e ajudar na definição do marco regulatório global. “É preciso entender os rumos que o mundo está seguindo para potencializar essa contribuição”, ponderou.
Para Paulo Hartung (presidente-executivo da Indústria Brasileira de Árvores – IBA), há ameaças e oportunidades para o agro brasileiro. “A maior ameaça é questionar uma realidade que estamos vivendo no mundo. A emergência climática é um desafio que antecede a pandemia. Se olharmos a realidade, vamos montar um plano de voo que vai nos permitir não só enfrentar os desafios, mas um mundo de oportunidades para o Brasil”.
Hartung lembrou que o Brasil tem uma matriz energética diferenciada em relação ao mundo, com sol e ventos constantes e experiência notável com biomassa em processo de evolução. “Há desafios, mas há uma série de oportunidades como terra passível de ser convertida para a produção de alimentos sem derrubar floresta nativa”, avaliou. “Precisamos ter um ativismo compatível com o tamanho das potencialidades do país, para que o mundo nos conheça pelo que somos.”
Na visão do ex-ministro da Agricultura e presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Proteína Animal – ABPA, Francisco Turra, o agro é a força no tabuleiro de xadrez no âmbito da geopolítica. “O mundo deveria olhar para o Brasil, um santuário na seara da produção alimentar. O Brasil vende mal e os atores envolvidos, entre eles o Congresso, precisam participar mais para fomentar os acordos bilaterais com o envolvimento de entidades e poderes e não tarefas individuais”, observou.
Segundo Turra, temos tudo para oferecer melhores imagens de produção de alimento, produção limpa de energia, de combustíveis como o biodiesel. “O Brasil precisa mostrar condições incomparáveis, com responsabilidade ambiental e, tenho certeza que, mudando narrativas, nos envolvendo mais, discutindo e vendendo mais, vamos chegar a algum lugar com acordos multilaterais a condições mais justas”.
Governança e perspectivas
A governança existe para dar confiabilidade e inovação e está conectada com a agenda de transparência. Para Grazielle Parenti (head de Business & Sustainability no Brasil e LATAM da Syngenta), focar em governança é dar transparência e visibilidade para construir credibilidade, mostrando o protagonismo do agro e como o setor é estratégico e sustentável.
“Os critérios ambientais e sociais deverão ser os padrões do mercado e precisamos falar sobre agricultura tropical para aproximar a conversa do campo com a cidade”, ponderou Grazielle, durante o painel Governança e Perspectivas.
Nesse sentido, o presidente do Conselho de Administração da Jacto, Ricardo Nishimura, destacou a importância da governança para harmonizar e equacionar questões fundamentais para o agro, de forma A criar um propósito de longo prazo e conseguir avançar.
“Precisamos trazer esse alinhamento interno para estabelecer métricas e visualizar o que queremos. Inovação, produtividade, sustentabilidade e a rentabilidade do produtor são variáveis que caminham juntas, mas é preciso integrar agendas e falar sobre o Brasil como potência na produção de alimentos e o cuidado que o país tem com o meio ambiente”, disse Nishimura.
Na opinião de Paulo Sousa, presidente da Cargill, há urgência em ter uma visão voltada para investimentos constantes, um marco regulatório claro e previsibilidade em relação ao aprimoramento da infraestrutura. “Temos uma safra recorde, mas isso traz algumas preocupações como a falta de armazenagem e logística que nos mostram necessidades do setor”, reforçou.
Para Sousa, apesar da importância do setor para alimentar o mundo, o país precisa resolver o tema do desmatamento ilegal, que fere a imagem do agro em termos ambientais, e é motivo de imposição de barreiras comerciais. “Temos o Código Florestal há 11 anos, mas ainda falamos em erradicar o desmatamento ilegal em 2030.”
Nishimura mencionou que também é necessário avançar em governança de alto nível, como setor e governo. “Somos uma agricultura de milhares de pequenas e médias propriedades, por isso, elevar as boas práticas é fundamental, já que a pressão vai aumentar”, alertou.
Para Grazielle, essa narrativa pode ser alterada também com fatos que comprovam a produtividade do agro brasileiro, como emissões de baixo carbono e aplicação de práticas regenerativas. Em sua avaliação, o que tem sido feito com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em São Paulo deveria servir de exemplo par todo o país, pois os cadastros avaliados dão transparência e segurança jurídica.
Ao fim da programação, Caio Carvalho, presidente da ABAG, fez um balanço do evento, que retratou, na parte da manhã, a questão da competitividade, com um debate amplo sobre inovação em mercados e nas cadeias produtivas e, na parte da tarde, focou em governança como ponto fundamental para manter o posicionamento do setor no âmbito global.
“O Brasil tem um desenvolvimento da ciência tropical, diferentemente de outros países que adaptaram a ciência temperada e não possuem a mesma competitividade. Precisamos liderar a regulamentação do mercado de carbono, além da produção de alimentos e energia. É importante desenhar uma visão com foco nesse objetivo”, argumentou.