A engenheira agrônoma e pesquisadora Thaís Silvestre conta como a extração de pigmentos das plantas atravessa milênios e vem ganhando força com a maior preocupação pela sustentabilidade
Você já ouviu falar em plantas tintoriais? Elas estão presentes no mundo todo e em todos os biomas brasileiros, e misturam ancestralidade e inovação.
Também conhecidas como plantas tintoriais, elas são plantas que possuem pigmentos em sua constituição.
“Esses pigmentos podem ser encontrados nas folhas, raízes, cascas, cernes e sementes. Ao extrair esses pigmentos naturais, podemos obter uma grande variedade de cores”, conta a engenheira agrônoma e pesquisadora Thaís Silvestre.
Segundo ela, há milhares de anos, o homem utiliza corantes de origem mineral, animal e vegetal para fazer pinturas, decorar utensílios e tingir fios e tecidos.
O primeiro registro conhecido sobre a utilização de corantes naturais data de 2600 a.C. na China. Os povos da América Latina também possuíam conhecimentos sobre tingimento com corantes naturais.
Entre os exemplos mais importantes, a pesquisadora destaca os têxteis de Paracas, no Peru, onde eram obtidos mais de 190 tons, evidenciando a riqueza e variedade de plantas tintoriais.
“Extrair os pigmentos das plantas é uma prática muito antiga, mas que vem ganhando espaço atualmente com mais e mais pesquisas sobre o tema”, diz Silvestre, que também é idealizadora do Herbarium – Ateliê Botânico, espaço criativo dedicado à Impressão botânica.
Sustentabilidade e qualidade dos pigmentos naturais
A pesquisadora conta que com o advento da tecnologia, no século XIX, foram criados os primeiros pigmentos sintéticos – a malveína e a fucsina – e, assim, o uso dos pigmentos naturais foi gradualmente substituído, devido a facilidade no tingimento e na solidez da cor dos pigmentos sintéticos.
“Contudo, com a facilidade paga-se um preço alto”, pontua Silvestre. “A utilização de pigmentos sintéticos pelas indústrias, acarreta poluição ambiental e toxidez para os seres humanos”.
Thaís Silvestre atualmente é doutoranda do Programa de Fisiologia e Bioquímica de Plantas na ESALQ – USP, onde pesquisa técnicas de extração e estabilização de pigmentos vegetais e prospecta plantas tintoriais da flora brasileira.
Segundo estimativas levantadas por ela, cerca de 15% da produção mundial de corantes é perdida durante o processo de síntese.
A pesquisadora explica ainda que 40% dos corantes sintéticos não reagem durante os banhos de tingimento, levando ao descarte de metais pesados e resíduos tóxicos no meio ambiente.
“Nesse contexto, com os avanços da ciência trazendo preocupações e conhecimentos, a sociedade está cada vez mais exigindo produtos que sejam saudáveis e que não degradem o meio ambiente”, ressalta.
Ela explica que os pigmentos e corantes naturais, ao contrário dos sintéticos, são ecologicamente sustentáveis, com mínimos riscos à saúde humana, o que garante produtos e processos químicos mais seguros e ambientalmente limpos.
“Para que isso ocorra, indústrias e fornecedores têm investido no desenvolvimento de tecnologias de extração e estabilização desses pigmentos naturais que permitem minimizar o impacto ambiental, reduzir o uso de energia e água das indústrias, além de permitir um produto estável sem sofrer com alterações por oxidação, pH ou luz ultravioleta”.
Onde podemos usar os pigmentos vegetais?
A engenheira agrônoma afirma que, nas últimas décadas, houve um aumento do interesse na obtenção de compostos e de corantes naturais que possam ser utilizados não só na indústria alimentícia, mas também na cosmética, farmacêutica e têxtil.
“Várias empresas de cosméticos e alimentos, brasileiras e internacionais, já estão aderindo a essa substituição devido a pressão dos consumidores por produtos mais saudáveis e ecofriendly”, afirma.
Na moda, por exemplo, a utilização de pigmentos naturais também está super em alta e traz uma proposta mais sustentável para uma das indústrias que mais gera resíduos e poluição, lembra a pesquisadora.
No Brasil, o pigmento bixina, extraído do urucum, é o mais usado pelas indústrias. Recentemente, foram registradas 410 patentes sobre o assunto com o intuito de desenvolver novas tecnologias para a obtenção de pigmentos das sementes de urucum.
Silvestre conta que o baixo custo de produção e a baixa toxicidade fazem com que o urucum seja muito atrativo para substituição dos corantes sintéticos. Entretanto, são necessários investimentos e políticas públicas para fomento à pesquisa.
“Para desenvolver essas tecnologias, é crucial o incentivo e o financiamento à pesquisa, pois só assim, em um futuro próximo, os corantes sintéticos serão substituídos pelos naturais”, defende a agrônoma.
Classificação dos corantes naturais segundo sua natureza química
Natureza química | Exemplos | Cor predominante |
Tetrapirróis (lineares e cíclicos) | Ficobilina | Azul Verde Amarelo Vermelho |
Clorofila | Verde | |
Carotenoides (tetraterpenoides) | Carotenoides | Amarelo Laranja |
Flavonoides | Flavonas | Branco Creme |
Flavonóis | Amarelo Branco | |
Chalconas | Amarelo | |
Auronas | Amarelo | |
Antocianinas | Vermelho Azul | |
Xantonas | Xantonas | Amarelo |
Quinonas | Naftoquinonas | Vermelho Azul Verde |
Antraquinonas | Vermelho Roxo | |
Derivados Indigóides e índoles | Índigo | Azul Rosa |
Betalaína | Amarelo Vermelho | |
Pirimidinas substituídas | Pterinas | Branco Amarelo |
Flavinas | Amarelo | |
Fenoxazinas | Amarelo Vermelho | |
Fenazinas | Amarelo Roxo |
Fonte: Ugaz, Olga Lock Sing de. Colorantes naturales. Lima: Pontíficia Universidad Católica del Perú, 1997.
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Plantas tintoriais da Flora Brasileira
No Brasil, devido a sua imensa biodiversidade, pode-se encontrar milhares de plantas tintoriais, espalhadas por todos os biomas. Mas o mais curioso disso é que o nome do país surgiu justamente devido a extração de uma planta tintorial: o Pau-Brasil (Caesalpinia echinata).
“Essa história da origem do nome é uma de tantas outras versões, mas é uma das minhas preferidas”, pontua a pesquisadora.
Durante as três primeiras décadas de colonização, a árvore cujo cerne (parte interna do tronco da planta) era vermelho como brasa, chamou a atenção dos navegantes, que prontamente começaram a extrair a madeira vermelha e encaminhar para a coroa em Portugal.
A partir disso, em 1706, os habitantes naturais do Brasil foram denominados brasileiros, que se referia inicialmente aos que comercializavam Pau-Brasil.
“Entretanto, tal foi devastadora essa extração, fez com que o Pau-Brasil entrasse para a lista de plantas em extinção e hoje é protegida por lei (…) Isso mostra como é importante atrelar o avanço científico ao processo produtivo para que assim possamos entender os limites de uma exploração sustentável dos recursos naturais, evitando seu esgotamento e promovendo a preservação da biodiversidade”.
Outros exemplos de plantas tintoriais são:
Abricó de macaco (Couroupita guianensis)
Angico (Anadenanthera sp)
Araucária (Araucaria angustifolia)
Barbatimão (Stryphnodendron adstringens)
Cacauí (Theobroma speciosa)
Cajueiro (Anacardium accidentale)
Carqueja (Baccharis sp)
Crajiru (Arrabideae chica)
Goiabeira (Psidium guajava)
Jenipapo (Genipa americana L.)
Macela (Achyrocline satureioide)
Murici da mata (Byrsonima crasiifolia)
Quaresminha do campo (Trembeya phlogiformis)
Tinteira (Coccoloba excelsa)
Urucum (Bixa arellana)
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A relação entre a arte e plantas tintoriais
Thaís Silvestre ressalta que, recentemente, há vários esforços para o resgate do saber tradicional relacionado ao uso de plantas tintoriais. Técnicas como impressão botânica, tingimento natural e pintura com tintas vegetais são algumas das formas com que artistas botânicos expressam sua arte por meio das plantas.
Impressão botânica: é uma técnica desenvolvida pela artista India Flint em 1999 em que se utiliza a própria planta para o processo de estamparia.
Nessa técnica, são utilizadas partes das plantas – folhas, flores, cascas, sementes e raízes – para, através de um processo de aquecimento, transferir os pigmentos naturais para as fibras. Isso permite criar estampas altamente duráveis, com infinitas possibilidades de cores, texturas, formatos e padrões.
“Todo esse processo proporciona peças únicas, estilosas e que não se repetem, mostrando que ao se trabalhar com a natureza deve-se respeitar o tempo e suas particularidades, e aprender a valorizar tudo o que poderia ser descartado”, ressalta a pesquisadora.
Tingimento natural: é uma técnica que resgata saberes de povos tradicionais que utilizam as plantas para tingir tecidos, fios, utensílios e adornos. Essa técnica consiste em dois passos principais.
O primeiro é a mordentagem do tecido com substâncias que agem como ligantes entre os pigmentos e a fibra do tecido, e o segundo passo é a extração da cor da planta com a fervura em água, com o intuito de transferir a cor para o objeto de trabalho.
“Novas marcas autorais surgiram nos últimos anos com a proposta de utilizar esses pigmentos para desenvolver produtos mais sustentáveis, tanto ambientalmente, quanto social e economicamente”, explica Silvestre.
Pinturas com tintas naturais feitas a partir das plantas: essas pinturas são duráveis e oferecem infinitas possibilidades de padronagem tanto em papel quanto em tecidos.
De acordo com a pesquisadora, para ajudar na popularização da arte botânica e a utilização de pigmentos naturais, “é imprescindível o compartilhamento de conhecimento sobre esse universo, tanto em pesquisas científicas quanto em cursos e dicas nas redes sociais”.
“Outra estratégia importante é pressionar as grandes marcas para que ocorra uma mudança no processo produtivo e possamos usufruir de produtos mais sustentáveis e saudáveis”, completa”.