“Visão 2030-2050: O Futuro das Florestas e da Agricultura no Brasil” do movimento Coalizão Brasil foi elaborado por mais de 200 especialistas e lançado na semana da realização da COP24, na Polônia. Sistema ILPF continua sendo apontado como um dos mais estratégicos para integrar lavoura com pecuária e florestas
Em um planeta cada vez mais quente e à mercê de eventos climáticos extremos, muitas vezes inesperados, senão catastróficos, cabe perguntar: como vão ficar as florestas e a atividade agropecuária do Brasil nas próximas décadas?
Para responder a essa pergunta, o movimento Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura reuniu mais de 200 especialistas, representando associações empresariais, empresas, setor financeiro, organizações da sociedade civil e academia, em um exercício coletivo, que durou mais de seis meses, para expor a visão de futuro em torno das florestas e do agro nacional.
Fruto desse árduo trabalho surge o documento inédito “Visão 2030-2050: O Futuro das Florestas e da Agricultura no Brasil”, que será lançado na mesma semana em que uma nova rodada de negociações climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) tem início na Polônia: a COP24. A Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, que começou no dia três passado, prossegue até 14 de dezembro.
O Coalizão Brasil é um movimento multissetorial formado para propor ações e influenciar políticas públicas, que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade, estímulo à inovação, competitividade global do Brasil e à geração e distribuição de riqueza a toda a sociedade.
Mais de 180 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil já aderiram à Coalizão Brasil (http://coalizaobr.com.br).
Responsabilidade do Brasil
Já é consenso a enorme responsabilidade do Brasil com o planeta, especialmente após assinar o Acordo de Paris, durante a Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP21), no ano de 2015.
“Somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo e, por isso, centrais para a segurança alimentar. Ao mesmo tempo, temos a maior floresta tropical do planeta uma grande biodiversidade, o que nos faz corresponsáveis pela segurança hídrica e climática da humanidade”, afirma André Guimarães, co-facilitador da Coalizão Brasil.
Diz ainda: “Unir produção e conservação é fundamental para o futuro do agronegócio brasileiro e da vida na Terra. Não se trata de obrigação legal, ideologia ou boa vontade, mas sim de uma questão de sobrevivência”.
Assim como a visão corporativa orienta o planejamento de longo prazo das empresas, o documento Visão 2030-2050 foi criado para embasar a atuação dos 180 membros da Coalizão Brasil e para contribuir com o debate nacional e internacional sobre o agronegócio e as mudanças climáticas.
Boas práticas no campo
Suas recomendações estão sintonizadas com os mais recentes dados disponíveis, a começar pelo último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Ele indica que a atividade econômica deverá ter emissões líquidas zero e as atividades e tecnologias de sequestro de carbono da atmosfera serão essenciais para garantir um clima seguro ao ser humano.
Nesse contexto, o uso da terra terá um papel central, isso porque, no Brasil, o desmatamento e a agropecuária ainda representam em torno de dois terços das emissões de carbono.
Por meio de melhores práticas agropecuárias, de silvicultura e restauração florestal, no entanto, especialistas dizem que o País pode reduzir suas emissões, capturar carbono da atmosfera, aumentar sua produtividade e resiliência.
Economia global
De acordo com o movimento Coalizão Brasil, ainda pode, a partir disso, garantir uma oportunidade única de se diferenciar em uma economia global, além de gerar, como consequência, bem-estar para a população.
Segundo a última edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), florestas plantadas, pastos bem manejados e sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta poderiam reduzir em 10% as emissões do setor agropecuário.
“Em um mundo ameaçado pelas mudanças climáticas, as atividades ligadas ao uso da terra são parte importante da solução”, destaca Guimarães.
Uso harmônico da terra
A “Visão 2030-2050” da Coalizão Brasil almeja promover o uso harmônico, inclusivo e sustentável da terra com base em quatro pilares fundamentais:
1) Produzir mais e melhor, por meio da agropecuária e silvicultura;
2) Criar valor e gerar benefícios a partir das florestas nativas;
3) Acabar com o desmatamento;
4) Viabilizar políticas públicas de Estado e instrumentos econômicos alinhados e integrados.
A partir desses pilares, diversos cenários segmentados foram traçados para os anos de 2030 e 2050, marcos importantes do acordo climático internacional, conhecido como Acordo de Paris – cujos países signatários, em um esforço coletivo, comprometeram-se com metas para evitar o aumento acima de 1,5°C da temperatura média global.
“O futuro desejado para o Brasil depende da sua capacidade de planejar a ocupação de seu território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados”, alerta o cofacilitador da Coalizão Brasil.
Rompendo padrões
Segundo ele, esse planejamento é essencial, por exemplo, para romper com padrões de ocupação como a da Amazônia, que tem sido impulsionada por grandes obras de infraestrutura com altos custos socioambientais.
“O uso da terra precisa estar no centro dos debates sobre desenvolvimento do país e, para isso, é preciso ter clareza sobre onde se quer chegar”, diz Guimarães, lançando um questionamento em seguida. “Onde sonhamos estar em 2050, pelos olhos dos representantes do agronegócio, das entidades de defesa do meio ambiente e da academia?”.
Para ele, “essa visão comum representa uma estrada de oportunidades pela qual todo mundo estará contemplado”.
Futuro possível em três décadas
O movimento Coalizão Brasil acredita que será possível tornar a silvicultura com espécies nativas em uma atividade economicamente relevante no País em um prazo de 12 anos, ao mesmo tempo em que a exploração ilegal das florestas deverá decrescer para níveis residuais.
Ainda aponta que, para 2050, o Brasil já poderá contar com uma economia florestal baseada em espécies nativas.
“As concessões de florestas públicas estarão implementadas em todas as áreas passíveis dessa atividade e as florestas plantadas com nativas chegarão a, pelo menos, cinco milhões de hectares com finalidade econômica, cultivadas e manejadas com tecnologia e precisão”, aponta o movimento.
Como consequência, “a área brasileira de florestas conservadas, restauradas, plantadas e de manejo terá sido ampliada para além do mínimo estabelecido pela legislação”.
“Sistemas agroflorestais, restauração e reflorestamento e pagamento por serviços ambientais serão cada vez mais comuns no cardápio de atividades do campo. Transparência e rastreamento de origem devem ser a regra e não a exceção. E muitos produtores descobrirão oportunidades de renda no turismo turbinado por paisagens mais conservadas e atrativas.”
Trabalhadores invisíveis
Guimarães salienta que, diante desse cenário, “as florestas e outros ecossistemas são os trabalhadores invisíveis do agronegócio”. “Eles desempenham o papel de regador gigante da agricultura brasileira e garantem a proteção dos recursos hídricos. Além disso, o agronegócio depende também de outros fatores climáticos, além da chuva, como temperatura e umidade”, afirma.
A Coalizão Brasil, por isso, “prega o uso comercial e sustentável das florestas, tanto para impedir o avanço do desmatamento e da degradação quanto para aumentar a produtividade e a funcionalidade das áreas agrícolas”.
O movimento também recomenda fortalecer a valorização dos ecossistemas naturais com foco em manejo florestal e uso sustentável dos recursos naturais, conservação, restauração ecológica e silvicultura de espécies nativas.
Assistência ao produtor
Esse caminho de valorização também passa pela assistência técnica adequada ao produtor rural, com a difusão de tecnologias de captura e de baixo carbono e a inclusão da agricultura familiar, que responde por 84% dos estabelecimentos rurais e constitui a base econômica de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes. Os dados são do Censo Agropecuário 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A regularização fundiária é essencial, assim como a recuperação de áreas degradadas, que devem voltar a exercer seu papel produtivo. Atualmente, a área total ocupada pela agropecuária no Brasil está entre 240 e 280 milhões de hectares, incluindo campos nativos, que servem como pastagens.Já o total de áreas degradadas ou longe de seu potencial produtivo chega a 178 milhões de hectares.
Investimento e emprego
Um estudo do Instituto Escolhas mostra que recuperar 12 milhões de hectares de florestas, até 2030, requer um investimento entre R$ 31 bilhões e R$ 52 bilhões, conforme o cenário escolhido.
Em contrapartida, o País poderá criar de 138 mil a 215 mil empregos e gerar uma arrecadação de R$ 3,9 bilhões a R$ 6,5 bilhões em impostos.
Planos ABC e Safra
O Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) deverá avançar de forma rápida e significativamente nos próximos anos. E uma das principais fontes de crédito do produtor rural brasileiro, o Plano Safra (ou oficialmente, o Plano Agrícola e Pecuário – PAP) precisará ser revisto para que seu portfólio seja totalmente vinculado a práticas de baixa emissão de carbono.
Outros instrumentos financeiros a serem considerados são a emissão de títulos verdes (green bonds); investimentos em ações ou quotas (equity), que levem em conta impactos socioambientais; investimentos de impacto (impact investing); e os mecanismos de mercado de carbono no Brasil e no exterior.
Seguro agrícola
O seguro agrícola também deve levar em conta os impactos ambientais na definição da cobertura e do valor dos prêmios. Dessa forma, conforme o movimento Coalizão Brasil, “será possível alcançar a meta de que, em 2050, as práticas produtivas sustentáveis sejam a regra, como a intensificação da produção em áreas degradadas e a grande adesão a técnicas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs)”.
Até lá, o grupo de especialistas acredita que o Código Florestal já esteja implementado em todo o território nacional.
Biocombustíveis
Na intersecção entre agricultura e setor energético nacional, os biocombustíveis devem receber atenção especial. O movimento Coalizão Brasil prevê que, em 2030, as metas da política brasileira para biocombustíveis terão sido atingidas, com um aumento de 85% no volume de etanol hidratado e 158% no volume de biodiesel na matriz energética de transportes, em relação a 2017.
Outros biocombustíveis terão sido desenvolvidos a partir dos avanços em Pesquisa & Desenvolvimento (P.D.). Em três décadas, a expectativa é a de que o País tenha uma matriz energética essencialmente renovável, com elevado percentual de bioenergia, tanto na matriz elétrica quanto de transportes.
“Acreditamos ser possível que, em 2050, o Brasil cumpra todas as metas assumidas no Acordo de Paris (feito durante a COP21, em 2015) considerando, inclusive, o aumento de ambição previsto para 2020, com forte impacto na redução das emissões”, espera Guimarães.
De importador a exportador
O co-facilitar do movimento do Coalização Brasil ainda lembra que, “nos últimos 40 anos, o Brasil passou de importador de alimentos a terceiro maior exportador de produtos agrícolas, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)”.
“Nos próximos 30 anos, viveremos uma revolução igualmente impactante, mas desta vez, para transformar o agronegócio em uma atividade neutra em carbono e capaz de capturar carbono da atmosfera”, conclui.
Destaques do documento
A Coalizão Brasil cita alguns destaques do documento “Visão 2030-2050 para as Florestas e a Agricultura”, que foi lançado em dezembro deste ano. No centro da visão de futuro para ambos os setores está o principal objetivo do movimento: promover o uso harmônico, inclusivo e sustentável da terra no Brasil.
Para alcançar essa meta, os membros da Coalizão estabeleceram quatro pilares fundamentais e, para cada um deles, projetaram o que sonham ver realizado em 2030 e 2050. Veja alguns destaques!
Produzir mais e melhor por meio da agropecuária e silvicultura
Visão 2030: O Plano ABC, que trata das ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas relacionadas à agropecuária, já terá avançado significativamente. O Plano Safra, por sua vez, terá seu portfólio totalmente vinculado a práticas de baixa emissão de carbono.
Visão 2050: Práticas produtivas sustentáveis serão a regra, como a intensificação da produção em áreas degradadas e a grande adesão a técnicas de integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs). E o Código Florestal estará implementado em todo o território nacional.
Criar valor e gerar benefícios a partir da floresta nativa
Visão 2030: A exploração ilegal das florestas será residual e, como consequência, elas estarão menos susceptíveis ao fogo e à degradação, o que contribuirá para reduzir a vulnerabilidade às secas e o risco de doenças respiratórias associadas às queimadas.
A silvicultura com espécies nativas será uma atividade economicamente relevante no País, sobretudo, devido aos avanços resultantes de pesquisa e desenvolvimento, à implementação do Código Florestal, à assistência técnica e extensão rural, à integração de políticas de clima, agricultura e meio ambiente e aos incentivos financeiros disponíveis.
Visão 2050: O Brasil contará com uma economia florestal baseada em espécies nativas. As concessões de florestas públicas estarão implementadas em todas as áreas passíveis dessa atividade e as florestas plantadas com nativas chegarão a, pelo menos, cinco milhões de hectares com finalidade econômica, cultivadas e manejadas com tecnologia e precisão.
A área brasileira de florestas conservadas, restauradas, plantadas e de manejo terá sido ampliada para além do mínimo estabelecido pela legislação.
Acabar com o desmatamento
Visão 2030: O desmatamento ilegal será parte do passado. A ilegalidade deixará de representar um risco aos biomas e ao povo brasileiro e o País estará engajado em eliminar o desmatamento de forma geral.
Haverá transparência total e ativa de dados que auxiliam no controle do desmatamento, como as autorizações de supressão vegetal, emitidas pelos órgãos competentes, e os sistemas de rastreabilidade da origem da madeira.
Visão 2050: O desmatamento será, finalmente, eliminado de todos os biomas brasileiros. E toda a expansão da agropecuária e silvicultura acontecerá em áreas já desmatadas.
Viabilizar políticas públicas de Estado e construir instrumentos econômicos alinhados e integrados
Visão 2030: A economia de baixo carbono se desenvolverá sem comprometer a manutenção do equilíbrio fiscal, reduzindo o risco de investimentos e favorecendo uma integração entre os capitais natural, social e humano. O Brasil terá cumprido todas as metas assumidas no Acordo de Paris, considerando, inclusive, o aumento de ambição previsto para 2020, com forte impacto na redução das emissões.
Visão 2050: O Brasil será um dos principais destinos mundiais de investimentos na economia de baixo carbono e em biodiversidade. O País também será líder pelo exemplo do processo global de redução das emissões de carbono e reconhecido como uma das principais nações que contribui para os esforços de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Mais informações sobre o trabalho do movimento multissetorial Coalizão Brasil, visite o site http://coalizaobr.com.br. Para download gratuito do documento, acesse o link (encurtado) http://ow.ly/En7r30mRDju.