Bioenergia, bioprodutos e dispositivos sustentáveis ajudam a minimizar os efeitos das mudanças climáticas e a reduzir a dependência desse insumo
O petróleo está na base do desenvolvimento industrial e de muitos itens de conforto, largamente consumidos a partir da segunda metade do século XX, como roupas, remédios, dentaduras, plásticos, pesticidas, batom, pasta de dente. A afirmação é de Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).
No entanto, ele lembra que o petróleo paga o preço do seu próprio sucesso, representado pelo consumo diário de 15,9 bilhões de litros por dia. “A sociedade global está entendendo que ultrapassamos o limite do bom senso e será insustentável manter esse consumo pelos próximos anos”, analisa e acrescenta que o alto preço do petróleo é apenas uma das facetas do fenômeno, “o maior problema é a poluição ambiental e suas consequências”.
De acordo com o pesquisador, entre as múltiplas razões para reduzir o consumo de petróleo está a necessidade de restringir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) dos combustíveis fósseis, diretamente responsáveis pelas mudanças climáticas globais. A estimativa do Departamento de Energia dos Estados Unidos é que, em escala global, o consumo de energia fóssil responde por 72% das emissões de GEE.
O petróleo é responsável por 45% das emissões na produção de energia e outros 10% na indústria petroquímica. “Ou seja, sem mudar o conjunto de produção de energia e outros produtos, derivados de fontes fósseis, não há como evitar a catástrofe climática prevista no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O relatório pode ser lido em http://bitly.ws/r2D4.
Alternativas
A substituição de combustíveis fósseis está ocorrendo de forma gradativa, com a mudança de veículos a combustão interna para elétricos ou híbridos, e a geração de eletricidade com fontes renováveis, como eólica, solar, geotérmica ou utilizando biomassa. O pesquisador menciona, ainda, o etanol e o biodiesel como substitutos de gasolina ou óleo diesel e lembra que alguns produtos, antes dependentes de petróleo, já são obtidos de outras fontes, como os bioplásticos.
“Mas precisamos mudar mais, substituindo insumos fósseis por renováveis, utilizando processos que diminuam a pegada de carbono, que sejam competitivos e rentáveis. Uma das esperanças está no investimento em processos ancorados na chamada química verde, permitindo que as emissões de carbono sejam reduzidas ou mesmo eliminadas”, defende Gazzoni.
Para tanto, ele afirma que há necessidade de investir fortemente em desenvolvimento tecnológico envolvendo diversas áreas, como biotecnologia, catálise, engenharia de processos, ciência e engenharia de materiais, química orgânica, entre outras, permitindo evoluir rapidamente dos conceitos para produtos comerciais sucedâneos da petroquímica.
“Se os milhares de produtos químicos derivados do petróleo, gás natural e carvão, incluindo combustíveis, plásticos e produtos químicos industriais, pudessem ser sintetizados usando microrganismos, haveria acentuada redução nas emissões globais de gases de efeito estufa”, diz o pesquisador. “Além de plasmar uma nova economia, a bioeconomia, melhorando a qualidade de vida com processos e produtos mais sustentáveis.”
De acordo com Gazzoni, empregar bactérias e outros microrganismos para sintetizar moléculas químicas úteis não é novidade, mas nem sempre com a desejada redução da pegada de carbono. “Por exemplo, existem processos industriais utilizando microrganismos, como Escherichia coli ou leveduras, para produzir insumos intermediários, como isobutanol e ácido lático. O inconveniente desse processo é a utilização de açúcar como insumo básico, emitindo quantidades substanciais de CO2, ao longo de seu ciclo de vida”, comenta.
Inovações
As inovações para solucionar esse problema estão em alta. Nesse sentido, pesquisador cita um estudo na Nature Biotechnology (http://bitly.ws/r2Fh), publicado em fevereiro de 2022, mostrando que bactérias, conhecidas como acetogênicas, podem ser usadas para a produção em larga escala de importantes produtos químicos industriais. E o melhor: usando um processo que é negativo em carbono.
“Ao contrário das rotas de produção tradicionais, que resultam na liberação de gases de efeito estufa (GEE), o processo de fermentação descrito realmente fixa o carbono. Os microrganismos acetogênicos utilizam o CO2, que é o GEE prototípico, forjando moléculas mais complexas e úteis, que são insumos para a fabricação de inúmeros produtos consumidos pela nossa sociedade”, esclarece.
O pesquisador lembra que, até recentemente, os microrganismos acetogênicos eram tidos como de difícil transformação, utilizando as ferramentas da engenharia genética. “Os autores do estudo superaram esse obstáculo, além de dispensar o açúcar como matéria prima do processo industrial. Com o novo processo, foi possível obter acetona e isopropanol com emissões negativas de GEE, valendo-se de uma bactéria, Clostridium autoethanogenum, modificada geneticamente”, avalia.
“Está aberta a porteira para uma torrente de inovações que permitam substituir uma parcela dos produtos hoje obtidos por meio da petroquímica, nas quantidades e com a qualidade demandadas pelo mercado, de forma competitiva e sustentável”, diz o pesquisador.
Para conferir uma escala de grandeza, Gazzoni diz que apenas a acetona e o isopropanol têm um mercado global estimado em mais de US$ 10 bilhões anuais, e os bioprocessos podem capturar uma parcela considerável desse valor.
“Novos processos podem incluir a gaseificação de resíduos florestais e agrícolas, bem como resíduos sólidos urbanos não recicláveis. Usando essas fontes de carbono, uma série de outros produtos, como sucedâneos de combustível de aviação, gasolina ou diesel, podem ser passíveis de métodos de produção semelhantes”, detalha.
Segundo Gazzoni, as estimativas são de que, globalmente, a fabricação de produtos químicos emita 500 Mt (milhões de toneladas) de CO2 a cada ano. “É o terceiro maior setor industrial emissor de CO2, superado apenas pelas indústrias de cimento e siderúrgicas, setores que têm sido difíceis de descarbonizar, e essas emissões poderiam ser evitadas”, argumenta pesquisador.
Nesse aspecto, ele cita que microrganismos que tornem a fabricação de produtos químicos mais verdes propiciarão a oportunidade de criar uma economia circular, que usa resíduos em vez de açúcar como matéria-prima, uma quebra de paradigma na produção industrial, eliminando a pegada de carbono desse setor industrial. “É o futuro sustentável que todos desejamos.”