É preciso garantir a qualidade dos insumos agropecuários, criar mecanismos de compensação financeira que incentivem os produtores a adotarem práticas conservacionistas, desenvolver sistemas agroecológicos sustentáveis, e difundir tecnologias ambientalmente adequadas
A cada quatro anos, por meio do planejamento estratégico, a Embrapa estabelece o seu Plano Diretor (PDE). Para a elaboração do 5º PDE, atualmente em vigor, dentro da metodologia da construção dos cenários para o futuro da agropecuária, foram estabelecidas algumas Tendências Consolidadas e as suas Implicações para a Agricultura Brasileira.
Entre essas Tendências, ficou evidenciado que haverá, no futuro próximo, maior pressão para a conservação e o manejo racional dos recursos ambientais no processo produtivo, inclusive com normas ambientais mais rígidas. No contexto deste uso sustentável dos recursos naturais, os novos processos produtivos caminharão no sentido da maior conservação e melhor gerenciamento do uso da água e crescerá a busca por fontes alternativas de insumos agrícolas (químicos, orgânicos, biológicos ou naturais) de pouca toxicidade e maior eficiência, além de crescente aproveitamento de resíduos sólidos e de coprodutos.
Além disso, haverá a necessidade de criação de mecanismos de sequestro de carbono, de aumento de estoque e melhora da qualidade de água, de preservação do solo e de aumento da sustentabilidade dos sistemas produtivos. Dentre as tecnologias com maior capacidade de influenciar o desenvolvimento da agricultura brasileira até 2023, destacam-se a redução de risco ambiental pelo uso racional de insumos químicos e consequente aumento da eficiência econômica.
Diante deste cenário, foram identificadas como algumas das principais oportunidades para a atuação da Embrapa, a valorização crescente e o substancial aumento da demanda por pesquisa orientada para o uso sustentável dos recursos naturais (água, solo, sol, vegetação e fauna), além de um forte aumento da demanda por produtos orgânicos. Em face dessas demandas, a Embrapa estabeleceu alguns “Objetivos Estratégicos” e várias “Estratégias Associadas” a cada um deles.
Objetivo Estratégico
Para o Objetivo Estratégico de contribuir para o avanço da fronteira do conhecimento e incorporar novas tecnologias, inclusive as emergentes, uma das estratégias associadas é a de intensificar as ações de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), para a redução da dependência de insumos agropecuários não renováveis e para o aproveitamento de resíduos.
Esta estratégia está em acordo com as Políticas do MAPA para o Plano Plurianual do Governo Federal-PPA 2008/2011, que preconizam ações no sentido de garantir a qualidade dos insumos agropecuários, criar mecanismos de compensação financeira que incentivem os produtores a adotarem práticas conservacionistas, desenvolver sistemas agroecológicos sustentáveis, e difundir tecnologias ambientalmente adequadas.
Para tanto, uma das medidas estruturais do Plano Agrícola e Pecuário do MAPA 2008/2009, diante da alta dependência externa do Brasil em relação a insumos agropecuários, entre eles os fertilizantes, e a alta participação desses insumos nos custos de produção, estabelece que estas são questões estratégicas, vistas como fator de segurança para a produção agrícola nacional. Ao reconhecer ainda que a oferta desses insumos está concentrada em reduzido número de grandes produtores, cujos preços elevados tendem a crescer, o Governo decidiu mobilizar suas instituições e inteligências para apresentar alternativas de médio e longo prazos que tenham como meta a autossuficiência, no prazo de dez anos, em nitrogenados e fosfatados, e a redução da dependência de potássio.
A oferta de produtos com função de aumentar a fertilidade dos solos e a produtividade das culturas, que sejam derivados de fontes renováveis, é uma alternativa que precisa ser considerada para o cumprimento dessa meta.
Desenvolvimento sustentável
A meta que envolve a sustentabilidade ambiental, e a eficiência no uso de nutrientes é uma grande preocupação. Para compatibilizar metas de aumento da produção e da rentabilidade com as questões ambientais, deve haver integração entre políticas e programas, particularmente através da colaboração interinstitucional, parcerias e sensibilização. A transição para práticas sustentáveis, a partir da agricultura convencional, é uma tarefa difícil, mas não impossível. Dependerá da nossa habilidade para integrar os aspectos tecnológico, econômico, social e político, da proteção ambiental e do desenvolvimento econômico, em uma gestão estratégica unificada e coerente: o desenvolvimento sustentável.
A geração de resíduos em larga escala (agrícola, industrial e urbana), o aumento dos custos de gestão ambiental e a forte opinião pública com respeito à necessidade de segurança ambiental e sanitária, têm compelido os setores agrícola, industrial e público na direção da disposição segura de resíduos orgânicos. Enorme quantidade de material orgânico está na forma de resíduos agrícolas, lixo urbano, lodo de esgoto, resíduos da criação animal e resíduos agroindustriais.
O tratamento incorreto destes resíduos resulta em riscos ambientais, como poluição do solo, da água e do ar. Vários processos visam transformar resíduos em insumos orgânicos. Estes insumos orgânicos não só atuam como um suplemento aos fertilizantes químicos, reduzindo a necessidade de adubos inorgânicos, mas podem também melhorar a qualidade da matéria orgânica e as propriedades físico-químicas do solo.
Se um hectare de milho produzir 6.000 kg de grãos na safra de verão e cada grão de milho possuir na sua composição o elemento fósforo (P) na proporção média 0,21%, (segundo o USDA National Nutrient Database for Standard Reference, Release 21, 2008), as seis toneladas exportadas daquele solo conterão 13,2 kg de P. Sabendo que o teor considerado médio de P disponível para as plantas nos solos brasileiros é da ordem de 20 ppm e que a profundidade explorada de solo pelas culturas agrícolas é geralmente considerada como de 20 cm, em um hectare teríamos 2.000 metros cúbicos de solo. Assim, podemos calcular grosseiramente que, em um hectare de solo explorado pelas raízes do milho, estão disponíveis 40 kg de fósforo. Suficiente, portanto, para garantir a produção dos 6.000 kg de grãos. Só que os grãos são produzidos e exportados em 140 dias, enquanto que a formação do solo é contada em centenas de anos. Alguns autores afirmam que um centímetro de solo, em profundidade, precisa de 400 anos para se formar. Aceitando esse dado, os 20 cm disponíveis para as raízes do milho levariam 8.000 anos para chegar ao estágio atual. E retira-se, numa única colheita, o equivalente a 33% de todo o fósforo disponível! Como ainda é muito difícil, no atual estágio do conhecimento humano, alterar a velocidade do ciclo biogeoquímico, no sentido de aumentar significativamente a taxa de formação de solo, só nos resta repor o fósforo retirado pela colheita dos grãos de alguma outra maneira. O método predominantemente adotado pela agricultura moderna é o da adubação química. O mesmo raciocínio se aplica para todas as demais culturas agrícolas, elementos essenciais ao desenvolvimento dos vegetais e para todos os tipos de solo, só variando as quantidades envolvidas. O princípio é o mesmo. Se a taxa de exportação é maior que a taxa natural de reposição, dada pela velocidade de formação do solo, é necessário um aporte adicional do elemento exportado. Uma das maneiras de retornarmos nutrientes ao solo, dentro do conceito da sustentabilidade, é o uso de insumos orgânicos, de preferência originados de resíduos.
Qualidade do solo
Esta abordagem é eficaz não só em termos de custos, mas também contribui para a economia de adubo químico e no aumento da matéria orgânica do solo e, portanto, da qualidade do solo. Como o custo de produção do fertilizante químico é alto, tanto em seus aspectos ambientais (consumo de matéria prima fóssil e emissão de CO²) como em termos financeiros, há cada vez mais procura por sistemas de manejo que otimizem a eficiência desses produtos. Por exemplo, as perdas de nitrogênio por lixiviação (na forma de nitrato) ou evaporação (na forma de óxido nitroso e amônia) dos solos agrícolas, especialmente a partir da aplicação de fertilizantes sintéticos, provocam, além do impacto ambiental negativo, uma significativa perda econômica.
A matéria orgânica desempenha um papel crucial ao estabilizar os nutrientes, por meio de mecanismos biológicos, de modo a reduzir as perdas e melhorar a sua eficiência na produção das culturas. A agricultura com uso de insumos de origem orgânica pode contribuir para o abastecimento alimentar mundial e também para reduzir os efeitos nocivos sobre o ambiente causados pela prática de uma agricultura intensiva no uso de insumos sintéticos. No que diz respeito à biodiversidade, à poluição atmosférica e à contaminação da água, o sistema com uso de insumos de origem orgânica ou organo-mineral pode ser considerado superior aos sistemas com uso exclusivo de insumos químicos sintéticos.
Os resíduos orgânicos podem ser convertidos em fertilizantes orgânicos, o que lhes agrega valor. É possível obter maiores níveis de rendimento das culturas com a utilização complementar de compostos orgânicos e fertilizantes sintéticos, em comparação às suas aplicações isoladas. A consequente redução do acúmulo de resíduos orgânicos em aterros, por exemplo, é mais um incentivo. Adicionalmente, o aumento da matéria orgânica no solo, que é uma forma de sequestro de carbono, contribuiria no enfrentamento da questão dos gases de efeito estufa. Além disso, os agricultores poderiam ficar menos dependentes dos onerosos fertilizantes químicos sintéticos.