Graças ao trabalho da Comissão, a cultura expandiu para regiões como a caatinga e o cerrado brasileiro
Os 65 anos de trabalhos desenvolvidos pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) têm permitido avanços na cultura que ultrapassou os biomas Mata Atlântica e Floresta Amazônica e já é cultivada no cerrado e na caatinga.
Há três anos, em uma área inicial de cultivo de bananas em Barreiras, na Bahia, o produtor Moisés Schmidt, da terceira geração de uma família de agricultores já estabelecidos no cerrado baiano com soja, algodão e milho em áreas extensivas, decidiu investir no cacau, uma cultura incomum para essa região.
Schmidt conseguiu com a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) as primeiras 10 mil mudas de cacau adaptado para uma região mais seca. “O cacaual ocupou uma área de três hectares onde já havia coco, pois naquela época a visão era a de que o cacau precisava de sombra, e hoje estamos demonstrando o contrário”, relata.
Para expandir o cacau para áreas não tradicionais, como a Caatinga, a espécie teve que ser adaptada para um solo mais seco do que os seus biomas de origem: Mata Atlântica e Floresta Amazônica. Recorreu à Ceplac, que realizou pesquisas que permitiram com que os cacauais se fixassem no campo a pleno sol e com bons resultados de produtividade. Além de não terem a sombra da copa das árvores, os cacaueiros recebem água e fertilizantes pela irrigação por pivô central, espaldeira ou gotejamento.
Exemplo
Atualmente, o grupo familiar Schmidt tem um viveiro, criado a partir daquelas primeiras mudas de cacau adaptadas pela Ceplac. No primeiro ano de atividade, em 2021, foram produzidas 140 mil mudas para suprir a demanda da região e a previsão é que em 2023 esse número alcance 1 milhão de mudas.
“O cacau do Cerrado tem alto padrão de qualidade e gera um ecossistema ambiental e socialmente responsável”, afirma o produtor, acrescentando que, além de áreas extensivas, possui cacau consorciado com fruticultura em sistema agroflorestal, que permite a recuperação de áreas degradadas e produção agrícola mais sustentável em harmonia com a natureza.
“A nova revolução cacaueira passa pela modernização dos modelos de produção e mecanização dos processos. Assim, escreveremos a nova história do cacau no Brasil”, destacou o diretor Ceplac, Waldeck Araújo, em comemoração ao aniversário da instituição, celebrado no dia 20 de fevereiro.
Reconhecida como Instituição de Ciência e Tecnologia, a Ceplac, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), realiza pesquisas e desenvolve tecnologias para a conservação de recursos genéticos e melhoramento do cacaueiro, incluindo a prevenção fitossanitária.
Recuperação
Apesar da recente expansão da cacauicultura para áreas não tradicionais, ainda existe no Brasil um déficit na produção de amêndoas de cacau para suprir as indústrias processadoras. Até meados da década de 1980, o País era o segundo maior produtor de cacau do mundo, mas foi rebaixado à condição de importador, após os cacauais (predominantemente do sul da Bahia) serem afetados pelo fungo vassoura-de-bruxa no auge de sua produção.
Segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), a capacidade de moagem das indústrias na Bahia supera 300 mil toneladas de amêndoas ao ano. Mas, a brusca queda de produção tornou as plantas industriais ociosas e a importação se tornou opção para que a cadeia não fosse ainda mais afetada.
Clones
O desafio de enfrentar a praga e retomar as posições pedidas no ranking mundial levou a Ceplac a desenvolver clones (de plantas de cacau) com diferentes graus de resistência e com potencial de produtividade para enfrentar a vassoura-de-bruxa. São 4.767 acessos clonais e seminais na coleção de germoplasma de cacau, criada pela Comissão e considerada uma das maiores do mundo.
Além do controle genético, a vassoura-de-bruxa encontrou seu inimigo natural em outro fungo, o Trichoderma stromaticum, que está presente no primeiro bioinsumo desenvolvido para o controle da praga. O bioinsumo foi disponibilizado aos agricultores pela Ceplac e Mapa, agora, recebe a autorização para produção pela indústria e comercialização. “Temos um agente antagônico disponibilizado aos produtores que representa 97% de eficiência no controle da vassoura-de-bruxa”, explica Araújo.
Autossuficiência
As tecnologias de melhoramento do cacaueiro, de prevenção fitossanitária, juntamente com a expansão de novas áreas plantadas corroboram para a retomada da autossuficiência nacional.
A meta estabelecida pela Ceplac é alcançar a autossuficiência do País na produção de cacau até 2025 com 300 mil toneladas por ano, e alcançar 400 mil toneladas até 2030, o que permitirá ampliar as exportações de cacau, derivados e chocolate, com potencial de elevar o Brasil para a terceira posição entre os maiores produtores de cacau no mundo.
Valorização
Além de incrementar a produção, o Ceplac tem outra meta: aumentar a qualidade das amêndoas de cacau fino ou especial de 3% para 10% do total de amêndoas produzidas. E os resultados já começaram. Nas Olimpíadas do Japão, realizadas no ano passado, além da medalha entregue aos vencedores, os atletas ganhavam chocolate com a cara e o sabor do Brasil, produzido por uma empresa japonesa que utiliza exclusivamente amêndoas importadas do município paraense de Tomé-Açu para a produção de seus chocolates.
O chocolate comemorativo das Olimpíadas é do tipo Bean To Bar (da amêndoa a barra), fabricado de forma artesanal a partir de amêndoas de cacau de alta qualidade. A produção é mais natural e aproveita melhor as propriedades desse insumo. Isso os diferencia dos chocolates industrializados, que são produzidos, na maioria das vezes, a partir da massa de cacau.
Reconhecimento
É do Estado do Pará também a amêndoa de cacau utilizada na receita da chocolateira vencedora do prêmio CNA Brasil Artesanal, além do cacau premiado na categoria prata da maior premiação de chocolate do mundo, Cocoa of Excellence Awards (Salão do Chocolate de Paris), de 2021.
O Pará é, atualmente, o maior produtor de cacau do País e junto com a Bahia responde por cerca de 95% da produção nacional. Destacam-se também os Estados do Espírito Santo e Rondônia, 3º e 4º maiores produtores nacionais.