Controle biológico da broca-da-erva-mate (Hedypathes betulinus), com o emprego de fungos entomopatogênicos tem se revelado uma alternativa viável da praga
A erva-mate (Ilex paraguariensis) distribui-se em uma área de aproximadamente 450.000 km2, nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, abrangendo cerca de 180.000 propriedades, em 596 municípios. As propriedades em que ela é cultivada são, na maioria, pequenas e médias, o que lhe assegura uma importância social expressiva, sendo a principal atividade econômica de muitos produtores e municípios.
Mais de uma centena de insetos já foram registrados alimentando-se da erva-mate, porém, apenas algumas espécies são consideradas pragas, por provocarem danos à cultura. Entre elas, a principal é o besouro Hedypathes betulinus, conhecido como broca-da-erva-mate ou corintiano, devido à sua coloração preta e branca.
O inseto adulto mede aproximadamente 25 mm de comprimento. As fêmeas efetuam as posturas, mais frequentemente no mês de abril, colocando um ovo por vez, principalmente no tronco das erveiras, próximo ao solo, sendo que cada fêmea pode colocar até 100 ovos.
Este inseto pertence ao grupo dos broqueadores, em função de suas larvas perfurarem os galhos, troncos e raízes da planta e, dessa forma, impedirem a circulação normal da seiva, resultando no depauperamento das erveiras. À medida que perfura o tronco, a larva deixa atrás de si uma serragem, que vai se acumulando na base do caule, denunciando a presença da broca. Quando a larva se aproxima do período pupal, constrói uma câmara pupal, na região do colo da planta.
Em função das perdas provocadas pela broca-da-erva-mate, tornou-se urgente o desenvolvimento de uma estratégia de controle para esta praga. Porém, para que esta estratégia fosse efetivamente implantada, uma série de estudos básicos foram realizados, envolvendo o conhecimento da dinâmica populacional, comportamento, biologia, levantamento de inimigos naturais e sua eficiência. Todos estes estudos serviram de base para o estabelecimento de estratégias racionais de controle que apresentassem menor impacto ambiental. Sob este aspecto, enquadra-se também a crescente demanda por produtos orgânicos e o maior valor comercial atribuído a estes produtos, que podem aumentar os rendimentos do produtor rural.
O uso de agrotóxicos, tanto para o controle de formas imaturas como de adultos da broca, não é recomendável, tendo em vista a inexistência de princípios ativos que sejam comprovadamente eficientes e de baixa toxicidade para o homem e animais. O comportamento do inseto, como sua distribuição no campo e na planta, tornam a aplicação desses produtos muito difíceis e com baixa eficácia. Além disso, o impacto ambiental também poderia ser expressivo, devido ao número excessivo de aplicações (o inseto adulto ocorre quase o ano inteiro).
Controle biológo com fungos
O controle biológico apresenta papel de destaque, sendo recomendado para manter as pragas em baixos níveis populacionais. O emprego de fungos entomopatogênicos foi selecionado para ser utilizado no controle de adultos da broca-da-erva-mate, pois estes microrganismos foram constatados nos ervais, indicando que podem ser uma alternativa viável para o controle de adultos da praga. Estes organismos, quando adequadamente aplicados, apresentam um baixo impacto ambiental, não acarretam riscos de intoxicação aos trabalhadores e animais, podem permanecer por longos períodos no ambiente, não deixam resíduos nos produtos e podem ser empregados juntamente com outros métodos de controle. Além disso, os adultos da broca-da-erva-mate são, com frequência, encontrados na região do colo da planta, onde as condições de microclima são favoráveis à colonização dos fungos.
Os estudos com fungos entomopatogênicos para controle da broca-da-erva-mate iniciaram com coletas de adultos infectados a campo e isolamento dos patógenos, verificando-se a ocorrência natural dos fungos entomopatogênicos Beauveria bassiana, Metarhizium anisopliae e Paecilomyces (=Isaria). Posteriormente, foi realizada a seleção de isolados nos quais foram utilizados fungos de ocorrência natural, bem como outros obtidos de bancos genéticos. Constatou-se que a linhagem de B. bassiana isolada do adulto de H. betulinus, denominada CG716, foi a mais promissora, apresentando uma mortalidade de 94,1% em laboratório.
No ano de 2003 a Embrapa Florestas fez um contrato de cooperação técnica com a empresa Turfal, tradicional produtora de insumos biológicos para agricultura, visando ao desenvolvimento de uma formulação do produto, realização de testes de eficiência em campo, registro e comercialização do bioinseticida.
Buscando a estabilidade do fungo tanto em vida de prateleira (shelf life) como a campo, foram realizados estudos de formulações para incrementar a eficiência do bioinseticida, optando-se por formulações à base de óleo, pois além de aumentar a sobrevivência do fungo nas formulações, auxilia sua adesão ao tegumento do inseto, protegendo-os contra dissecação e os raios ultravioleta, facilitando também o manuseio para o aplicador.
Na fase seguinte, metodologias de aplicação do produto foram avaliadas tendo como base o ciclo de vida do inseto, optando-se pela aplicação no tronco da erveira, pois como os adultos da broca têm o hábito de caminhar e ovipositar no tronco da planta, a aplicação do fungo direcionada a esse local é estratégico para atingir o inseto. Este tipo de aplicação também limita a infecção de outros insetos associados às folhas e galhos da erva-mate, principalmente aos inimigos naturais, além de não deixar resíduos nas folhas.
A penetração do fungo normalmente ocorre via tegumento e esta contaminação ocorre, geralmente, quando o inseto entra em contato com o substrato contaminado, sendo a penetração principalmente nos pontos frágeis, como regiões intersegmentais do corpo e tarsos. Posteriormente, o fungo cresce e coloniza internamente, causando a morte dos adultos da broca-da-erva-mate. O bioinseticida mata o inseto em torno de 20 a 30 dias após a sua aplicação. Quando o fungo sai do corpo do inseto, este fica com aparência esbranquiçada.
Número de aplicações
Estudos para determinar o número de aplicações foram conduzidos em parceria com a Universidade Federal do Paraná, quando foi possível determinar que duas aplicações anuais do bioinseticida são suficientes para a manutenção da população da praga abaixo do nível de dano econômico, sendo recomendado uma aplicação no início do pico populacional do inseto, no mês de outubro/novembro, e outra aplicação antes do início das posturas, em fevereiro.
Os resultados dos testes de eficiência em campo chegaram a mais de 70% de mortalidade. Também foi constatada a persistência do formulado fúngico, com altos índices de infecção e uma redução de 50% da população da praga após dois meses da aplicação. Um fator que contribui para esta persistência é o fato do fungo ser formulado à base de óleo, o qual auxilia na sobrevivência do conídio e na sua aderência à cutícula do inseto.
Foram realizados bioensaios avaliando a transmissibilidade do fungo e verificou-se que, após a contaminação, os adultos se comportam normalmente, apenas se tornam mais lentos. Neste período, quando entram em contato com outros adultos, fazem a disseminação do fungo, aumentando o controle da praga.
É importante salientar que a utilização do bioinseticida não visa eliminar toda a população da praga, mas sim reduzi-la a um nível que não cause danos econômicos, permitindo a ocorrência de outros agentes de controle, como predadores, parasitóides e até mesmo o próprio fungo, que poderá permanecer ativo na área, restabelecendo o equilíbrio do ecossistema florestal. O bioinseticida está em processo de registro e esperamos ainda este ano poder disponibilizá-lo ao produtor.