Quando o animal apresentar a hipocalcemia, o tratamento deve ser rápido, com medicamentos corretamente indicados
Um problema frequente na pecuária, principalmente de leite, é conhecido como “Síndrome da Vaca Caída”. Enfermidade representada pela fêmea caída logo após o parto, mas com grande possibilidade de se levantar após uma correta terapia com cálcio, caracterizando a hipocalcemia na forma clássica. Embora existam outros motivos para a síndrome, a hipocalcemia e, em menor grau, a hipomagnesemia, são as causas de até 80% dos casos, sendo os 20% restantes devido à paralisia mecânica e/ou a subnutrição, o balanço energético negativo (comum na seca e no pré-parto), predisposição genética e partos laboriosos. Esta síndrome também é chamada de paralisia do parto e febre do leite.
A hipocalcemia causa importantes perdas econômicas principalmente na exploração leiteira. Além de reduzir a produção, facilita complicações secundárias, como atonia ruminal, falta de apetite, retenção de placenta, metrite, mastite, alterações no trato reprodutivo (prolapso do útero), sem contar o custo e tempo do tratamento e a morte do animal, fatos que acumulam prejuízos ao pecuarista. Em manejos convencionais onde o bezerro depende da vaca, este também fica prejudicado devido à falta da interação materna e do colostro, tornando-se um animal “guacho” e com deficiências imunológicas, necessitando da interferência humana.
Características de hipocalcemia
A hipocalcemia caracteriza-se principalmente pela falta de cálcio no sangue do animal desde 48 horas antes do parto até 72 horas após o parto e, consequentemente, pelo esgotamento físico com evidente incapacidade da vaca em se levantar.
Durante o período pré-parto, as vacas passam por mudanças metabólicas, fisiológicas e imunitárias. Segundo Mello, no terço final da gestação as vacas apresentam balanço energético negativo, redução da capacidade digestiva (volumétrica), imunodepressão (queda na imunidade), aumento do desafio parasitário (aumento na contagem de OPG) e todas essas mudanças são agravadas muitas vezes por partos difíceis, resultando na fraqueza física e decúbito esternal do animal (paraplegia dos membros pélvicos). As vacas neste período apresentam uma redução acentuada de cálcio, no sangue, em cerca de 50% de seu valor normal, pois este é utilizado para produção de leite. A fisiologia neuromuscular da vaca não acompanha esta rápida mudança, não há uma adaptação, a vaca deita-se por fraqueza e não tem forças para se levantar. As vacas mais velhas parecem estar mais vulneráveis a esta ocorrência.
Quando os animais apresentam os sinais da doença, o quadro se agrava porque eles não se levantam para comer ou beber água e, consequentemente, entram em desidratação e hipoglicemia, prejudicando ainda mais a recuperação espontânea.
Idade dos animais acometidos: A idade dos animais parece ter influência na apresentação da hipocalcemia, sendo os animais de 3ª a 7ª lactação mais predispostos a adquirir o distúrbio devido à maior produção de leite e à diminuição na eficiência de manutenção do cálcio, o que não se verifica com tanta frequência nos animais de 1ª e 2ª lactação.
Raças: A raça Jersey é mais predisposta a desenvolver hipocalcemia, seguida pelas raças Guernsey e Holandesa. Nos animais da raça Jersey, a incidência fica em torno de 33% comparando aos 9,6% em outras raças, consequência do alto nível de produção para as raças pequenas e maior concentração de cálcio no leite.
Alimentação
Pode influenciar na susceptibilidade dos animais, especialmente quando alimentados no período pré e pós-parto em grande quantidade, principalmente com altos níveis de proteína ou com carboidratos fermentáveis.
Tais alimentos podem provocar distúrbios relacionados à digestão, por exemplo, acidose ou diarreia profusa, podendo ocasionar hipocalcemia ao interferir na absorção intestinal de cálcio.
Vacas secas alimentadas basicamente com feno ou silagem de milho têm menor incidência de hipocalcemia na parição, pois tais alimentos possuem menores níveis de cálcio. Entretanto se forem incluídos na dieta altos níveis de cálcio (como por exemplo, a alfafa) os índices de hipocalcemia se elevam.
Hipocalcemia subclínica
Cerca de 50% das vacas adultas são acometidas por uma hipocalcemia subclínica durante as primeiras semanas de lactação, sendo esta muito importante, pois além de reduzir o apetite, diminui a motilidade ruminal, interferindo no balanço energético do animal no primeiro mês de lactação.
Na hipocalcemia subclínica, o animal não apresenta os mesmos sinais clínicos de hipocalcemia clínica e, de acordo com alguns pesquisadores, a hipocalcemia subclínica pode gerar problemas ainda maiores que a hipocalcemia clínica, pois é mais comum e menos diagnosticada, interferindo negativamente na produtividade do rebanho.
Efeitos na produção
A vaca hipocalcêmica terá uma queda na próxima lactação de 14% na produção de leite, além de reduzir sua vida produtiva em 3 a 4 anos. Além de acarretar problemas reprodutivos e descarte de animais.
A hipocalcemia predispõe os animais a outras patologias e distúrbios, como cetose, distocias no parto, mastite clínica e retenção de placenta.
Sinais clínicos
Na hipocalcemia, os sinais clínicos podem ser divididos em três fases distintas. No estágio inicial da doença ocorre um breve período de excitação, tetania (tremores) e diminuição da sensibilidade a estímulos como toque na pele e ruídos sonoros (hipoestesia); o animal encontra-se em pé com tremores nos músculos e na cabeça, ranger de dentes, mugidos frequentes, anorexia, respiração difícil com a boca aberta, às vezes, exteriorizando a língua (protrusão). A rigidez dos membros, ataxia e queda do animal conduzem ao segundo estágio.
O segundo estágio é caracterizado por decúbito esternal prolongado com a cabeça voltada para o flanco; redução do nível de consciência, desaparecimento da tetania, flacidez nos membros, extremidades frias e temperatura retal um pouco reduzida. O pulso jugular fica fraco e aumenta a frequência cardíaca. As pupilas apresentam-se dilatadas e o seu reflexo diminuído ou ausente. O chanfro (espelho nasal) fica seco e sem brilho. Alterações digestivas são frequentes como parada ruminal e timpanismo secundário.
O terceiro estágio caracteriza-se por decúbito lateral e completa flacidez muscular, diminuição do pulso e alterações na frequência cardíaca, perda da consciência e coma. A morte ocorre por choque devido ao completo colapso circulatório. A mortalidade pode chegar a mais de 35%.
Diagnóstico
O diagnóstico da hipocalcemia fundamenta-se nos sintomas clínicos e na anamnese, sendo o melhor método de diagnóstico a resposta positiva do animal ao tratamento (diagnóstico terapêutico). O veterinário deverá realizar um exame completo do animal, inspecionando o úbere, as frequências cardíaca e respiratória, mucosas, sistema digestório, buscando descartar patologias que possam provocar sinais clínicos semelhantes.
Em alguns casos a forma clássica pode ser confundida com botulismo e com poliencefalomalácia, mas o diagnóstico laboratorial e a correta investigação epidemiológica eliminam as dúvidas.
Prevenção
A melhor prevenção é a alimentação correta e as boas práticas de manejo para evitar o estresse do gado. Assim, um manejo nutricional adequado iniciando-se cerca de 30 a 40 dias antes do parto e alguns cuidados no peri-parto, ou seja, entre 48 horas antes e 48 horas após o parto, garantem uma boa redução na incidência de hipocalcemia, suas complicações e possíveis recidivas.
Dietas com baixos níveis de cálcio no pré-parto são recomendadas. Altos níveis de fósforo na dieta durante a prenhez também evitam a hipocalcemia. Há comprovações de que dietas contendo mais enxofre e cloro do que sódio e potássio podem prevenir a doença.
A administração de vitamina D ou seus metabólitos na última semana da gestação também podem ser utilizados na prevenção.
Tratamento
Quando a vaca apresentar hipocalcemia, o tratamento deve ser rápido. A recomendação é o uso de medicamentos indicados em casos de esgotamento físico por parto, excesso de trabalho ou de produção, como os que contêm cálcio e fósforo de alta qualidade (biodisponibilidade), e também produtos à base de dextrose e complexos minerais e vitamínicos. Quando o animal é tratado e levanta-se rapidamente, após poucos minutos, confirma-se a hipocalcemia (ou doença da “vaca caída”).