Licenciado para uma empresa de SP, novo equipamento de limpeza de frutos e hortaliças, criado pela Embrapa Instrumentação, deve chegar ao mercado brasileiro no segundo semestre de 2017
Com a crise hídrica ainda rondando vários Estados brasileiros, quanto menos utilizar água para quaisquer finalidades, melhor para a população e para o planeta. No meio rural, assim como nas cidades, ações sustentáveis que visem à economia desse recurso são sempre bem vindas.
Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em torno de um bilhão de toneladas de alimentos produzidos em todo o mundo são desperdiçados a cada ano. No caso das hortaliças e frutas, o problema envolve a falta de infraestrutura e de manuseio adequado ao longo da cadeia produtiva, dentro e fora da porteira.
O artigo “Desperdício de alimentos no Brasil: um desafio político e social a ser vencido” – de autoria do doutor em Ciência de Alimentos Antônio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) –, referente aos anos de 1997 a 2000, indica que a produção dos principais frutos frescos comercializados no país era de quase 17,7 milhões de toneladas ao ano. Desse total, a perda estava calculada em 30%.
Em relação às hortaliças, a produção era de aproximadamente 16 milhões de toneladas, com índice de perdas de até 35%. Isso significa que, considerando os dados de 17 anos atrás (que podem, hoje, ser variáveis) algo em torno de 5,6 milhões de toneladas ao ano de frutas, verduras e legumes foram parar no lixo.
A novidade
Levando em conta todos esses cenários, um equipamento móvel e compacto, que não usa água para a limpeza, pretende auxiliar pequenos produtores rurais na hora de classificar o tomate e outros frutos, além de hortaliças, ainda em campo. Licenciado para a empresa paulista MVisia, a nova máquina também serve para reduzir as perdas na fase de pós-colheita.
De acordo com a Unidade de Instrumentação (SP) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), desenvolvedora dessa novidade, o equipamento é uma alternativa a mais, especialmente aos agricultores que têm pouco acesso à tecnologia automatizada. A previsão é de que chegue, ao mercado brasileiro, até o segundo semestre de 2017.
Vantagens
“As classificadoras compactas podem trazer várias vantagens aos pequenos agricultores, agregar valor ao produto, com classificação mais uniforme, redução do tempo para chegar aos consumidores e menor incidência de danos físicos, melhorias que podem influenciar os lucros, além de diminuir as perdas pós-colheita”, relata o engenheiro agrônomo Marcos David Ferreira, pesquisador da Embrapa Instrumentação.
Mestre em Pós-Colheita, doutor em Fitotecnia e pós-doutor em área de Ciências Agrárias, ele coordenou os trabalhos que deram origem à nova máquina, que apresenta como principal vantagem o fato de economizar água, que não é empregada no processo.
Segundo Ferreira, a limpeza convencional do tomate, por exemplo, pode consumir até 500 metros cúbicos de água por mês, em algumas unidades de beneficiamento.
O protótipo
Desenvolvido em formato vertical, o protótipo possui um sistema de escova de três vias em helicoide, que ajuda a elevar a eficiência de limpeza e classificação, atenuando significativamente o impacto nos frutos. Os métodos de seleção em máquinas estáticas convencionais podem provocar quase três vezes mais lesões.
O engenheiro agrônomo explica que, embora nem sempre sejam percebidas externamente, essas “injúrias” podem causar alterações metabólicas, fisiológicas e de sabor, provocando perdas quantitativas e qualitativas significativas nos frutos.
A classificadora vertical compacta – com 2,20 metros de altura por 1,60 metro de largura – tem capacidade para classificar cerca de uma tonelada de frutos diariamente, quantidade que varia de acordo com a regulagem da máquina, tipo do fruto, entre outros fatores. A máquina funciona à base de energia elétrica e pesa cerca de 200 quilos.
Os experimentos
Para chegar ao resultado final da classificadora vertical compacta, foram gastos três anos de pesquisas, que contaram com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na modalidade “Auxílio à Pesquisa – Regular”.
Ferreira utilizou dois sistemas mecânicos diferentes de classificação; e outro manual, para controle, considerando análises de qualidade (incidência e gravidade de lesões, perda de peso, pH, sólidos solúveis, firmeza, leveza, coloração, índice de maturação e produção de CO2).
De acordo com o engenheiro agrônomo, as análises de incidência e gravidade de lesões consistem na detecção de danos mecânicos em frutos, utilizando uma técnica de coloração da casca, na qual é aplicado corante específico na superfície do fruto.
Após a coloração, o fruto é classificado conforme a intensidade (número de regiões que permanecem manchadas) e gravidade (baixa, média, alta ou muito alta) das lesões detectadas.
“Essa técnica é simples, barata e útil para mostrar diferenças de dano mecânico entre os frutos”, reforça Ferreira.
Primeiro tratamento
Em cada sistema mecânico foram utilizados cem tomates armazenados, posteriormente, em temperatura aproximada de 21°C, durante 14 dias. Os frutos foram colhidos em uma fazenda localizada no município de São Carlos (SP), transportados para o laboratório e selecionados conforme os padrões norte-americanos de uniformidade, tamanho e cor para classificação de tomates para consumo in natura.
No primeiro tratamento, o pesquisador da Embrapa conta que os tomates foram classificados em uma máquina horizontal convencional, de um metro de largura por 4,40 metros de comprimento, simulando uma linha comercial composta de várias etapas: lavagem sob aspersão, escovas de nylon e espuma, secagem com ventilador convencional e escovas de nylon, além da classificação por rolos.
Para essa fase de tratamento, foram utilizados os critérios de taxa de fluxo de cada bico de pulverização, rotação de escovas a 120 rotações por minuto e rotação do rolo de classificação a 90 rpm.
“Nesse experimento, observamos que a classificação no sistema tradicional resultou no maior número de frutos feridos (81) e em torno de duas vezes e meia a mais do que na máquina móvel vertical”, relata o pesquisador.
Segundo tratamento
Ferreira conta que, no segundo tratamento com o protótipo móvel vertical, foi analisada a limpeza usando três conjuntos de escovas compactas de três vias – nylon e cerdas – e de comprimentos diferentes, sendo que duas delas foram afixadas em posições opostas – uma para baixo e outra para cima –, além de um conjunto de rolos plásticos. Nesse protótipo e na triagem manual, as incidências registradas foram menores, com 23 e 34 lesões detectadas, respectivamente.
Segundo o especialista, a análise de incidência de lesões ocorreu uma única vez. E a cada dois dias, durante o armazenamento, foram feitas análises não destrutivas, que envolvem o registro de dados, tais como: perda de peso, firmeza, índice de maturidade, luminosidade, coloração e produção de CO2, e as destrutivas, de pH e sólidos solúveis.
O engenheiro agrônomo constatou ainda que os resultados médios das análises de qualidade, obtidos ao longo dos 14 dias de armazenamento, não indicaram diferenças significativas entre os tratamentos para todos os atributos, com exceção dos componentes de firmeza e coloração.
“Com base nos resultados encontrados, acreditamos que há grande potencial de utilização da unidade móvel pelos pequenos agricultores, com possibilidade de trazer benefícios para toda a cadeia”, informa.
Beneficiamento em campo
O tomate de mesa, até alguns anos atrás, era beneficiado e classificado totalmente em campo, em bancadas de madeira localizadas no final dos carreadores de plantio, muitas vezes, sem proteção contra chuva e sol e embalado em caixas tipo K, as mais usadas no Brasil, porém inadequadas pelo alto custo da madeira e problemas de ordem sanitária.
Com o aumento da demanda por produtos de qualidade, o tomate passou a ser beneficiado em máquinas automatizadas, de grande precisão, que permitem maior rapidez, mas tem elevado custo para pequenos e médios agricultores. Além disso, em muitos países subdesenvolvidos, a classificação ainda é feita manualmente.
Dessa forma, melhorar a eficiência da classificação tornando o produto mais competitivo e reduzindo a utilização de recursos naturais, como a água, é uma das vantagens desse equipamento. “O importante é que o pequeno-médio produtor pode utilizar uma tecnologia simples, de baixo custo e investimento e melhorar sua competitividade no mercado”, afirma Ferreira.
Sistema de limpeza
Melhorar a eficiência do sistema em relação ao uso da água, durante o beneficiamento, também tem sido outra preocupação do setor. Embora pesquisas e ações tenham sido realizadas ao longo dos anos, inclusive por parte dos produtores, o consumo ainda é excessivo, mas pode ser reduzido ou até mesmo anulado, dependendo da natureza do produto que deve passar por limpeza.
Estudos realizados entre 2006 e 2009 indicam que algumas unidades de beneficiamento de tomate podem utilizar de 250 a 500 metros cúbicos por mês na lavagem de tomates. Para alguns produtos, de maior sujidade como a batata, em alguns casos podem ocorrer gasto de um a dois litros por quilo de produto beneficiado.
A limpeza pode ser realizada de maneiras distintas, mas certos produtos não aceitam contato com a água, após a colheita. De acordo com o pesquisador Marcos David Ferreira, o caqui e algumas hortaliças, como a cebola, são alguns dos exemplos. “Nesse caso, a limpeza deve ocorrer por meio de escovação”, informa.
No Brasil, no entanto, devido a hábitos do mercado e do consumidor, até mesmo produtos que não necessariamente deveriam ser lavados, para uma conservação melhor, como a batata, são limpos com água, ao contrário de práticas adotadas em outros países, que usam a escovação a seco.
O pesquisador lembra que, para a eficiência do sistema de limpeza, considerando que a maioria dos hortifrútis é lavada, é preciso considerar a interação de fatores, como a rotação das escovas – e tipo de cerdas – a quantidade -pressão da água, a superfície do produto, o tempo de exposição e o tipo de sujeira.
Um fator muito importante, porém, é a qualidade da água e a contaminação microbiológica. Ferreira esclarece que a água, para ser usada na limpeza, precisa ser de qualidade adequada, da classe 1, de acordo com a classificação da Agência Nacional de Águas (ANA), e disponível em quantidade e custo compatíveis.
A lavagem pode ser realizada em tanques ou por meio de jatos de água, na forma de spray ou de pequenas gotas de água ou ainda em uma associação de duas alternativas – imersão em tanques e jatos de água. Outra forma é fazer a lavagem utilizando-se canos perfurados. “Estudos de pesquisadores brasileiros demonstram que o uso de bicos de spray proporciona uma economia na quantidade de água aplicada superior a 90% e também aumenta a eficiência do sistema de limpeza”, diz Ferreira.
O cientista esclarece que o uso de quantidade elevada de água por quilo de produto não indica maior eficiência no processo de lavagem e limpeza. “Muitas vezes, menores quantidades de água, associadas à escovação, propiciam limpeza eficiente e economia substancial”.
Fonte: Embrapa Instrumentação