Da biodiversidade do Cerrado, um maracujá especial: a primeira cultivar de maracujazeiro silvestre registrada e protegida do mundo
A casca verde com listras brancas lembra a de uma melancia, mas o tamanho se assemelha ao de um limão. E basta cortar a fruta e provar a polpa amarela, que o sabor adocicado cativa os paladares mais desconfiados. Acredite ou não, trata-se de um maracujá. Mais do que isso: é o fruto da primeira cultivar de maracujazeiro silvestre registrada e protegida no mundo, desenvolvida pela Embrapa e disponibilizada para a sociedade brasileira. A cultivar BRS Pérola do Cerrado foi lançada em maio na Embrapa Cerrados (Planaltina, DF).
Se o gosto e a aparência — bem diferentes dos maracujás comerciais (Passiflora edulis) — podem surpreender os consumidores, as vantagens para os produtores são inúmeras. Após quase 20 anos de seleções de variedades silvestres de Passiflora setacea (popularmente conhecida como sururuca, maracujá de cobra ou maracujá-do-sono) de diferentes regiões de Cerrado, os pesquisadores obtiveram um material mais produtivo, com maior tamanho de fruto e resistente às principais doenças do maracujazeiro azedo comercial. Por ser silvestre, a planta é polinizada por morcegos e insetos notívagos, dispensando a polinização artificial, facilitando bastante o trabalho do agricultor.
Quádrupla aptidão
Como se não bastasse, o maracujá BRS Pérola do Cerrado tem quádrupla aptidão. Além de poder ser consumido in natura, é uma alternativa para o mercado de frutas especiais destinadas a indústrias de sucos, sorvetes e doces. As belas flores brancas e a ramificação densa permitem o uso para o paisagismo de grandes áreas. De quebra, apresenta características funcionais: a casca tem alto teor de fibras, a polpa é rica em antioxidantes e o óleo das sementes contém Ômega 6, importante na prevenção de doenças degenerativas.
Produção
A produtividade anual pode variar de 20 a 35 toneladas por hectare, dependendo do sistema de condução das plantas. O índice é muito superior ao da média nacional, cerca de 15 toneladas/hectare/ano. As condições de cultivo e produção são semelhantes às do maracujazeiro azedo. A produção dos frutos começa a partir dos oito meses de vida da planta, que produz , pelo menos, quatro anos, mas pode chegar a 15 com manejo adequado. O fruto pesa entre 50g e 120g, com rendimento de polpa em torno de 35%.
“O BRS Pérola do Cerrado produz o ano inteiro sob irrigação, com pico de produção na época das chuvas (dezembro a março) e uma segunda safra entre junho e setembro (período seco). Entre uma safra e outra, a produção diminui, mas não para”, garante a pesquisadora Ana Maria Costa, coordenadora da Rede Passitec — Desenvolvimento Tecnológico para uso funcional das passifloras silvestres, que reúne mais de 100 pesquisadores de 27 instituições e gera informações sobre o uso e o aproveitamento de passifloras silvestres para o fortalecimento da cadeia produtiva.
“Esse maracujá não vai competir com o azedo (comercial). É um fruto que veio para agregar valor e diversificar os sistemas de produção dos fruticultores”, explica o pesquisador Fábio Faleiro, responsável pelo programa de melhoramento genético do maracujazeiro silvestre da Embrapa. Isso porque a nova cultivar frutifica nas condições de outono-inverno do Brasil Central, possibilitando a produção na entressafra do maracujá azedo.
Sem polinização manual
Para que a nova cultivar de maracujá pudesse ser desenvolvida e entregue aos agricultores, houve a integração de duas grandes redes de pesquisa, coordenadas pela Embrapa: a de melhoramento genético do maracujazeiro e a Rede Passitec. As redes contaram com o apoio das unidades da Embrapa, instituições de ensino, extensão rural e assistência técnica, além de produtores do Distrito Federal e de sete Estados, num esforço nacional para a geração rápida de conhecimento. A equipe tem avaliado desde os aspectos de produção, até possíveis alegações medicinais, ainda em estudo.
Nos últimos cinco anos, Geraldo Magela, extensionista da Emater-DF, acompanhou o trabalho de validação a campo junto aos produtores do DF. Ele acredita que o BRS Pérola do Cerrado vai representar um avanço na cultura do maracujá no Brasil. “É um material rústico e que não precisa de polinização manual. Além de tudo, é muito saboroso. Será um sucesso”, aposta.
Os produtores que participaram da validação do novo maracujá também estão confiantes. “A produtividade é muito boa. Muita gente está me pedindo e logo vou ter as frutas para vender”, diz Lucília Evangelista, produtora em Planaltina (DF). “Minha expectativa é maravilhosa, e digo que a aceitação é total. Todos que provam, amam”, completa Leda Gama, que está produzindo o maracujá em sistema orgânico na chácara onde mora, em Sobradinho (DF).
Mercado promissor
O Brasil é o maior produtor mundial de maracujá — foram 920 mil toneladas em 2010. Quase toda a produção é destinada ao mercado interno. Existem cerca de 200 espécies de maracujá no País, sendo 50 com potencial comercial. No entanto, apenas a cadeia produtiva do maracujá azedo comercial está estruturada. A Embrapa disponibiliza para o mercado as cultivares de maracujá azedo BRS Gigante Amarelo, BRS Ouro Vermelho, BRS Sol do Cerrado e BRS Rubi do Cerrado.
Com a chegada do BRS Pérola do Cerrado, já em produção em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Distrito Federal, a Empresa aposta na boa aceitação do maracujá silvestre por agricultores e consumidores. “O posicionamento de mercado foi como fruta especial. Ela chega como oportunidade para os produtores”, explica a pesquisadora Keize Junqueira, supervisora de Sementes e Mudas da Embrapa Produtos e Mercado (Brasília, DF).
Dois viveiristas foram credenciados para comercializar as mudas. Elas podem ser reservadas nos Viveiros Flora Brasil, pelo telefone (34) 3242-1357, e no Viveiro Tropical, pelo (61) 9997-1401. As sementes não são vendidas, pois precisam de tratamento com fitohormônios para aumentar o percentual de germinação e a uniformidade das mudas.
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