Estudo inédito mostra que 11,5 milhões de hectares de terras brasileiras já contam com alguma modalidade do sistema de Integração lavoura-Pecuária-Floresta
Cerca de 30 milhões de hectares de áreas de pastagens em algum estágio de degradação, com baixíssima produtividade para o alimento animal. Esse é o atual cenário do Brasil, conforme dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Para melhorar a situação, é necessário utilizar, de forma correta, novas tecnologias no campo aliadas à adoção de boas práticas agropecuárias, mais sustentáveis. E uma das soluções de maior sucesso no país, com certeza, é o sistema Integrado Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
Essa estratégia de produção, que integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais, dentro de uma mesma área, pode ser adotada em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. A informação é da Rede de Fomento à Integração Lavoura-Pecuária-Floresta.
Esse sistema integrado busca otimizar a utilização da terra, elevando os patamares de produtividade, diversificando a produção e gerando produtos de qualidade e reduzindo, a partir daí, a pressão sobre a abertura de novas áreas.
Estudo
Um estudo patrocinado pela própria Rede e elaborado pelo Kleffmann Group, com o acompanhamento técnico da Embrapa Meio Ambiente (SP), mostra que o ILPF já abrange 11,5 milhões de hectares, em todo o território nacional.
Com dois milhões de hectares, Mato Grosso do Sul é o Estado que mais se destaca; seguido por Mato Grosso (1,5 milhão); Rio Grande do Sul (1,4 milhão), que aparece, inclusive, como a região brasileira com maior número de propriedades rurais; Minas Gerais (um milhão); e Santa Catarina (680 mil).
Em relação aos produtores rurais, que atuam predominantemente na pecuária e que adotam a estratégia, 83% utilizam o sistema de Integração Lavoura-Pecuária (ILP), 9% ILPF e 7% IPF (Integração Pecuária-Floresta). Entre os produtores de grãos, 99% adotam o ILP; 0,4%, o ILPF; e 0,2%, o ILF (Integração Lavoura-Floresta).
O sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, basicamente, consiste na aplicação conjunta das atividades agrícolas em propriedades rurais para o melhor desenvolvimento ambiental sustentável. Por meio dele, por exemplo, propriedades leiteiras podem desenvolver, simultaneamente, o cultivo agrícola e a produção de madeiras.
Entre suas vantagens, conforme destaca Pedro Arraes, presidente da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (antiga Emater-GO), estão a diversificação da produção, o aumento da oferta de produtos e alimentos, o melhoramento da pastagem e a quebra no ciclo de doenças e insetos.
“O ILPF fomenta a redução no uso de defensivos e herbicidas, diminui a emissão de carbono e proporciona melhorias na obtenção de renda ao produtor rural”, indica o presidente da instituição.
Motivação
O estudo do Kleffmann Group/ Embrapa Meio Ambiente ainda revela que, entre os produtores cujo foco predominante é a pecuária, os principais fatores de motivação para adotar qualquer sistema de integração (ILP, IPF ou ILPF) foram a redução de impactos ambientais, compreendida como preocupação de adequar-se ambientalmente à atividade, diante das pressões da sociedade e dos mercados, além do interesse dos pecuaristas na recuperação das pastagens.
Já entre os produtores de grãos, os principais fatores que justificaram a adoção de qualquer um dos sistemas integrados estão diretamente relacionados ao aumento da produtividade e ao incremento na resiliência dos sistemas produtivos, com a consequente diminuição dos riscos financeiros da produção em si.
Presidente da Rede de Fomento de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, Paulo Herrmann credita a grandiosidade dos números de adoção dos sistemas integrados a duas características: aptidão natural dos trópicos para a produção agrícola e capacidade dos agropecuaristas brasileiros em absorver novas tecnologias produtivas e sustentáveis.
Ainda destaca que a integração é um sistema complexo, mas produtivo. Por isso, “requer um modelo de financiamento orientado a apoiar todas as etapas do sistema de produção e não somente o financiamento de uma única safra, para produção de um produto em separado”.
Herrmann também afirma que o crédito rural, destinado a produtores que adotam essa metodologia, é o mais seguro entre os aplicados ao campo, “pois mitiga riscos do investimento, uma vez que o sistema ILPF produz ao longo de todo o ano, melhorando o fluxo de caixa da atividade, além de promover o incremento de propriedades agronômicas, que conferem capacidade adaptativa aos desafios impostos pela mudança do clima”.
Brasil é exemplo
Na opinião do presidente da Embrapa, Maurício Lopes, o Brasil vem chamando cada vez mais a atenção de todo o mundo, graças ao potencial de intensificação da agricultura nacional.
“Produzir de forma mais intensiva se tornou um imperativo frente à necessidade de ampliar a eficiência de uso dos recursos ambientais – especialmente água, solo e biodiversidade –, garantindo serviços ecossistêmicos adequados, como reciclagem de resíduos, manutenção da fertilidade dos solos, recomposição das reservas hídricas, melhoria da atmosfera, dentre outros”, comenta.
Lopes ainda salienta que o Brasil é um dos poucos países no planeta com grandes extensões de terras, aptas para uso agrícola sustentável, produzindo, no mesmo espaço, grãos, proteína animal, fibras, bioenergia e, em um futuro próximo, biomassa para utilização bioindustrial.
Diante desse cenário favorável, segundo o presidente da Embrapa, o Brasil também poderá se tornar o líder global em intensificação baseada em tecnologias “poupa-recursos”, de baixa emissão de carbono e em ganhos na produtividade da terra.
“Os dados revelados pela pesquisa mostram que a agropecuária brasileira está em sintonia com as demandas mundiais por mitigação e adaptação à realidade de mudanças climáticas, ao novo Código Florestal e ao moderno padrão de consumo, definido por uma sociedade cada vez mais engajada nas causas ambientais”, avalia Lopes.
Para todos os produtores
Na visão do pesquisador Ladislau Skorupa, da Embrapa Meio Ambiente e integrante da Rede de Fomento de ILPF, a metodologia de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta é flexível, podendo ser adotada por pequenos, médios e grandes produtores. “Podemos ir muito além, explorando todas as potencialidades da estratégia integrada”, resume.
Coordenador da Plataforma ABC (Agricultura de Baixo Carbono, do governo federal) e também integrante da Rede de Fomento, Celso Manzatto ressalta que “tão importante quanto as recomendações da pesquisa agrícola, também estão o aprendizado e as adaptações que os produtores adotantes implementam em suas propriedades, fundamentais para o aperfeiçoamento e para a evolução dos sistemas ILPF”.
Destaca ainda que a adoção de sistemas integrados ambientalmente corretos, capazes de suportar a variabilidade climática – sejam chuvas elevadas, secas prolongadas, altas ou baixas temperaturas “é uma boa oportunidade para construir, no Brasil, um modelo de desenvolvimento agrícola verdadeiramente sustentável e resiliente, proporcionando a consolidação e a abertura de novos mercados para os produtos brasileiros”.
“Isso também demonstra ILPF, tecnologia gerada e testada no país, pode vir a se tornar uma referência de intensificação produtiva sustentável no mundo”, comenta Manzatto.
Para a elaboração do estudo da Rede de Fomento, foram realizadas 7.909 entrevistas, compreendendo 3.105 pecuaristas de leite e de corte em todos os Estados; 2.958 produtores de soja na Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins; e 1.846 produtores de milho da Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Mato Grosso do Sul, é destaque
Destaque no estudo da Rede de Fomento de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, com dois milhões de hectares, o sistema ILPF vem mudando a economia rural no Estado de Mato Grosso do Sul. De acordo com o pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste (MS) Júlio Cesar Salton, a região vem unindo o potencial do agronegócio à necessidade de conscientizar o produtor sobre as vantagens de ter mais de uma cultura agrícola em sua propriedade.
“A economia é dinâmica em todos os setores e o agronegócio deve ser cada vez mais entendido como uma empresa em que é necessário apostar em mais de um produto, porque problemas existem em qualquer setor e um pode cobrir o outro. Se o ciclo for perfeito, haverá mais lucro para o produtor”, defende Salton.
No município de Três Lagoas, por exemplo, ele destaca a vocação para a pecuária simultaneamente ao plantio de eucalipto, demonstrando resultados positivos para o próprio produtor. “Existem exemplos de fazendas em Ribas do Rio Pardo, onde se tem as três atividades, e tudo funciona muito bem”, relata.
Ajuste fitotécnico
Cada região do Brasil tem suas particularidades na agropecuária. Apesar de figurar como o Estado com o maior número de hectares com a adoção do sistema ILPF do país, em Mato Grosso do Sul prevalecem os mais diversos sistemas de produção, tais como: canavieiro, florestal, cultivo de algodão, de mandioca, pecuária extensiva, diversificação de outras espécies, entre outros.
Muitos desses sistemas produtivos, no entanto, “são extremamente segmentados”, conforme ressalta o pesquisador Rodrigo Arroyo Garcia, da Embrapa Agropecuária Oeste. “Existe heterogeneidade, o que é bom, mas não são integrados”, acrescenta.
Outro entrave apontado pelo especialista é a ausência da diversificação de cultivares e épocas de plantio. “O produtor planta uma ou duas cultivares no menor intervalo de tempo possível. Esse modelo é extremamente suscetível, principalmente, ao estresse hídrico”, alerta Garcia.
A recomendação, segundo ele, é que o produtor diversifique as espécies de cultivo, incluindo no sistema a produção de milho de verão (safrinha), forrageiras, algodão, aveia, crotalária, entre outras, levando em consideração as condições de clima e solo de cada localidade e o potencial das espécies.
Nesse contexto, o ajuste fitotécnico possibilita que o produtor rural explore o potencial de sua região; adapte seu sistema produtivo, de acordo com as mudanças; e reduza problemas de pragas, doenças e plantas invasoras utilizando, preferencialmente, o Manejo Integrado de Pragas (MIP).
Eficiência
Especialistas relatam que os sistemas que integram lavoura, pecuária e floresta (ILP, IPF e/ou ILPF) proporcionam a formação de raízes das plantas com grande capacidade de melhorar a qualidade do solo, física e quimicamente.
Estudos publicados pelos pesquisadores da Embrapa Agropecuária Oeste Júlio Cesar Salton e Michely Tomazi, no Comunicado Técnico “Sistema Radicular de Plantas e qualidade do Solo”, indicam que “o sistema radicular das braquiárias é bastante eficiente em promover a estruturação adequada do solo, com agregados estáveis, macroporosidade e canais, o que promove um ambiente favorável para o crescimento do sistema radicular da cultura subsequente, como a soja”.
Salton também destaca a importância da manutenção da palha que ocorrem nos sistemas ILP e ILPF. Por meio de uma simples planilha, o pesquisador mostra como calcular, em reais, quanto valeria esse produto por hectare, já que a palhada proporciona a agregação de nutrientes e matéria orgânica, que são liberados no solo e economizados. “Dependendo da situação, chegamos a valores que surpreendem”, garante o especialista.
De acordo com o pesquisador João Kluthcouski, da Embrapa Arroz e Feijão (GO), o sistema ILPF traz os seguintes benefícios:
- Agronômicos: recuperação e manutenção das propriedades do solo;
- econômicos: diversificação, maiores rendimentos e qualidade a menor custo;
- ecológicos: redução da erosão, biota nociva e defensivos agrícolas;
- sociais: empregos e distribuição mais uniforme da renda.
Pequenas áreas
Usualmente associado a grandes áreas, o sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta tem se destacado como uma prática sustentável e viável aos produtores rurais, inclusive em pequenos espaços de cultivo no campo.
De acordo com Pedro Arraes, presidente da Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (antiga Emater-GO), o método apresenta ao produtor uma série de vantagens. “Por meio de ações práticas, é possível levar isso ao campo, pois o ILPF é um “sistema adaptável às grandes e pequenas propriedades”.
Sistemas integrados também podem ser adotados em pequenos espaços de cultivo no campo.
Nas propriedades do setor pecuário, a implantação do IPF, conforme relato do pesquisador Abílio Pacheco, da Embrapa Produtos e Mercado (GO), pode ter baixo custo. Para exemplificar, ele cita o caso da Fazenda Santa bárbara, localizada no município goiano de Quirinópolis: entre insumos e mão de obra foram investidos R$ 1.290,00, sendo que cada muda plantada de eucalipto custou R$ 2,50.
Baseado na própria experiência, Pacheco observa que uma vantagem proporcionada pelo sistema integrado é a significativa diminuição da moscado-chifre, que causa prejuízos à produção de bovinos, provocando irritação e estresse no rebanho.
Segundo ele, em sistemas onde há maior diversidade, como é o caso dos integrados, favorecem populações de inimigos naturais, que competirão com a mosca-do-chifre em busca de sobrevivência. “E o IPF é um mecanismo eficiente de controle das pragas que assolam o gado”, reforça Pacheco.
Benefícios e modalidades
Entre os principais benefícios do sistema ILPF, conforme a Rede de Fomento, estão:
- Otimização e intensificação da ciclagem de nutrientes no solo;
- Melhoramento da qualidade e conservação das características produtivas do solo;
- Manutenção da biodiversidade e sustentabilidade da agropecuária;
- Melhoria do bem-estar animal em decorrência do conforto térmico e melhor ambiência;
- Diversificação da produção;
- Aumento da produção de grãos, fibras, carne, leite e produtos madeireiros e não madeireiros;
- Maior eficiência de utilização de recursos naturais;
- Redução na pressão pela abertura de novas áreas com vegetação nativa;
- Redução da sazonalidade do uso da mão de obra;
- Geração de empregos diretos e indiretos;
- Flexibilidade, que permite ser adaptado para diferentes realidades produtivas; O ILPF ainda pode ser utilizado em quatro possíveis modalidades:
- Integração lavoura-pecuária (ILP) ou sistema agropastoril;
- Integração lavoura-floresta (ILF) ou sistema silviagrícola;
- Integração floresta-pecuária (ILP) ou sistema silvipastoril
- Integração lavoura-pecuáriafloresta (ILPF) ou sistema agrossilvipastoril
De acordo com a Rede de Fomento, a escolha da estratégia a ser utilizada dependerá das características da região e da propriedade, como proximidade de mercado, logística, relevo, clima, aptidão da propriedade, maquinário disponível, entre outros.
Difusão
Para propagar as vantagens dos sistemas integrados no campo, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), por meio do Instituto de Zootecnia da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (IZ-APTA), participou do lançamento da plataforma “Integrar para Crescer”, uma parceria do Canal Terra Viva, do Grupo Bandeirantes de Comunicação, e Verum Eventos. O objetivo é realizar a difusão tecnológica e organização de eventos agropecuários em todo o país.
A união das empresas pretende ampliar a disseminação de novas tecnologias e práticas eficazes na atividade rural pelos meios de comunicação, levando, a toda cadeia produtiva da carne, conhecimentos específicos e de mercado para o desenvolvimento do setor. O lançamento ocorreu no final do mês de novembro de 2016, na Associação Nacional de Pecuária Intensiva (Nova Assocon), em São Paulo, capital.
Uma das novidades é a integração da “Vitrine de Tecnologia Sustentável” – projeto do governo do Estado de São Paulo, realizado pela SAA, por intermédio do IZ, que propõe fomentar a pecuária sustentável. A Vitrine fica na área da AgriShow, em Ribeirão Preto (SP), com o intuito de mostrar aos agropecuaristas como é possível produzir sem agredir o meio ambiente, aumentar a renda e agregar valor à produção.
Modelo
A unidade de referência tecnológica deve durar pelo menos 12 anos e servirá de modelo de aplicação do sistema ILPF, recebendo técnicos, pesquisadores e acadêmicos interessados no assunto. As empresas privadas podem firmar parcerias com a Secretaria de Agricultura de SP, para empreender inovações nessa área.
De acordo com a diretora-geral do IZ, Renata Helena Branco Arnandes, a Vitrine de Tecnologia mostra na prática os ganhos ambientais e econômicos do sistema ILPF, voltado para a cadeia produtiva sustentável de bovinos de corte.
“O espaço de 44 hectares foi montado para mostrar ao produtor que é possível fazer uma pecuária de corte sustentável. Será uma vitrine permanente, com áreas de floresta e pastagem, lavoura e confinamento. Trabalharemos, juntamente com parceiros, durante todo o ano para treinamentos, capacitação e difusão de tecnologia ao produtor rural”, detalha.
Para Renata, o lançamento da plataforma “Integrar para Crescer” veio em um momento muito importante para a pecuária brasileira: “A colaboração efetiva dos meios de comunicação especializados, para difusão da tecnologia da cadeia produtiva da carne, só vem agregar à força do homem e da mulher do campo, difundindo novos conhecimentos científicos já testados pelos nossos pesquisadores e toda a expertise do mercado para levar, à mesa do consumidor, um produto de qualidade com sustentabilidade”.
Benefícios trazidos pelo sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, segundo o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar):
- Recuperação de áreas degradadas;
- Manutenção de pastagens produtivas;
- Redução dos impactos ao meio ambiente;
- Redução da necessidade de utilização de agroquímicos;
- Redução de abertura de novas áreas;
- Reconstituição da cobertura florestal;
- Aumento da eficiência no uso de máquinas, equipamentos e mão de obra;
- Geração de empregos e de renda;
- Melhoria das condições sociais no meio rural.
Fontes: APTA, Embrapa, Emater-GO, Fundação MS, Ministério da Agricultura, Painel Florestal