Produtores de alguns Estados brasileiros, como Mato Grosso do Sul e Paraíba, investem na produção de algodão colorido.
Imagine colher chumaços de algodão já coloridos desde o pé! O que parecia ficção há alguns anos é pura realidade no Brasil, especialmente na cotonicultura desenvolvida nos Estados de Mato Grosso do Sul e Paraíba.
A maioria das pessoas desconhece que, no meio ambiente, o algodão colorido existe há mais de 4,5 mil anos, ou seja, é tão antigo quanto o branco. Muitas espécies nativas do gênero já foram localizadas em escavações no Paquistão e Peru.
O que diferencia o colorido do branco é que o primeiro possui fibras curtas e fracas e não suportam a fabricação de fios e tecidos. Daí a necessidade de trabalhar com o melhoramento genético das cores, por meio de pesquisas científicas, como forma de ampliar sua resistência e comprimento.
Pesquisadas pela Embrapa Algodão (PB), as variedades naturalmente coloridas dispensam o uso de corantes químicos, não poluem a natureza e ainda representam uma economia de cerca de 70% de água no processo de acabamento do tecido. Em geral, também são produzidas de forma orgânica, sem aplicação de insumos e fertilizantes químicos.
Orgânico e agroecológico
Para fortalecer a agroecologia por meio da cotonicultura, essa unidade da estatal começou, ainda nos anos 2000, seus primeiros estudos com os cultivos do produto colorido orgânico. Atualmente, ele é plantado por agricultores familiares, especialmente da região Nordeste do país, onde se produz uma fibra ecologicamente correta.
Nesse sistema agroecológico, o cotonicultor explora os recursos disponíveis em sua propriedade, sem usar agroquímicos, como adubos, fungicidas, herbicidas, inseticidas, entre outros defensivos agrícolas, que podem poluir a água e o solo.
Segundo a Embrapa, o cultivo do algodão colorido favorece o produtor, que não precisa se preocupar com a armazenagem, transporte, preços e cuidados com produtos agroquímicos, que podem ser perigosos e prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, se não forem manejados corretamente.
A estatal defende que, no sistema de cultivo agroecológico, os adubos químicos dão lugar aos naturais, como pó de rocha, esterco de curral, esterco de frango, entre outros.
O controle de insetos e doenças é feito com extratos vegetais, pelo cultivo de plantas, como gergelim, que são capazes de atrair formigas e demais insetos. Eles também favorecem a extração do botão floral atacado, por exemplo, pela praga do bicudo-do-algodoeiro.
De acordo com o órgão de pesquisa, a técnica mais ecológica de produção eleva a biodiversidade e a segurança alimentar do homem e da mulher do campo, pois geralmente o algodão é cultivado ao lado de outras culturas alimentares tradicionais, como amendoim, coentro, feijão, gergelim, milho etc.
Produção paraibana
No Brasil, a cadeia produtiva do algodão colorido começou na Paraíba e tem beneficiado comunidades de cotonicultores daquele Estado, como os da Associação de Produtores do Assentamento Margarida Maria Alves, no município de Juarez Távora (PB), a cem quilômetros da capital João Pessoa.
“A Embrapa, por meio de seus técnicos, ofereceu (aos assentados) assessoramento técnico, desde o plantio, condução da lavoura, combate às pragas, colheita, beneficiamento até o enfardamento da pluma”, informa o pesquisador da Embrapa Algodão Luiz Paulo de Carvalho, responsável pelo desenvolvimento científico das variedades coloridas.
Para auxiliar os produtores assentados, a estatal criou pequenas máquinas de beneficiamento e uma pequena enfardadeira.“Nós continuamos a pesquisar novos matizes e outras tecnologias, que permitam a sustentabilidade desse algodão desenvolvido, especialmente, para gerar emprego e renda para as comunidades do Semiárido”, reforça o chefe-geral da Embrapa Algodão, Sebastião Barbosa, durante o lançamento do projeto “Segunda Pele – Algodão Colorido Natural da Paraíba”, no ano passado.
Mercado da moda
A exposição reuniu cerca de 30 peças de roupas de algodão colorido, inspiradas na moda oriental, com estampas gráficas e imagens de artistas plásticos e designers têxteis paraibanos. idealizadora da mostra, Sandra Vasconcelos destaca o apelo ecológico desse produto no mercado da moda.
“Logo que eu cheguei à Paraíba, eu descobri o algodão colorido e fiquei
encantada, porque é um produto inusitado e muito especial. uma camiseta de algodão colorido, comparada com uma camiseta normal, gera uma economia de água de 87,5%”, relata.
Por não conter corantes, o tecido de algodão colorido é hipoalergênico. Isso significa que as roupas fabricadas com esse tipo de material são bastante indicadas, especialmente, para bebês e pessoas alérgicas.
As cores
Marrom claro, marrom escuro e verde são as cores das cultivares desenvolvidas pela Embrapa Algodão, com o objetivo de obter um tipo de produto com melhor preço de mercado, dispensando o tingimento e sem agredir a saúde do cotonicultor e do meio ambiente.
A unidade de pesquisa da estatal desenvolveu as variedades de algodão colorido a partir do cruzamento de plantas de algodão de pluma branca, de alta qualidade para a indústria têxtil, com variedades silvestres de fibras coloridas, principalmente marrom e verde, já existentes na natureza, mas que apresentavam baixa fiabilidade.
As cultivares
Lançada no ano 2000, a primeira cultivar de algodão naturalmente colorida foi a BRS 200, que tem fibra marrom claro. Em seguida, foram lançadas as variedades BRS verde, em 2003; BRS Rubi e BRS Safira, em 2005, de fibra marrom avermelhada; e a BRS Topázio, de coloração marrom claro, em 2010.
Em 2016, foi apresentada a BRS Jade, a mais nova variedade que apresenta uma fibra mais clara que a Safira, no entanto, mais produtiva e com maior qualidade de fibra.
“A cor da fibra é uma característica genética e a principal vantagem de se plantar o algodão colorido é o preço. O produtor recebe bem mais pela fibra colorida do que pela branca”, garante o pesquisador da Embrapa Algodão Luiz Paulo de Carvalho, responsável pelo desenvolvimento das variedades coloridas.
O especialista aponta outras vantagens, como as ambientais, considerando que o algodão colorido dispensa o tingimento, evitando, assim, a contaminação do meio ambiente com resíduos de tinta. Ainda economiza água e energia, que são gastos quando se vai tingir e lavar o tecido na indústria. Ele ainda destaca que o custo de produção do colorido é o mesmo do branco.
“Com foco na produção sustentável, marcas nacionais e internacionais são os principais compradores do algodão colorido orgânico brasileiro .”
Mercado internacional
De olho na fabricação de produtos mais sustentáveis, marcas nacionais e internacionais se tornaram os principais compradores do algodão colorido orgânico. Atualmente, as peças produzidas na região Nordeste do Brasil, por exemplo, são exportadas para outras nações como Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão, além de países escandinavos.
No ano passado, o algodão colorido paraibano marcou presença no São Paulo Fashion Week, maior evento de moda do Brasil, e no Maison D’Exceptions, um dos maiores encontros da moda no mundo, em Paris, França.
Ainda em 2016, o produto brasileiro foi uma das tecnologias selecionadas para participar da feira “1.618 luxo Sustentável”, também em Paris, quando foram escolhidas as melhores iniciativas voltadas para o consumo sustentável ao redor do planeta.
Experimentos de sucesso
Experimentos com o algodão colorido têm alcançado sucesso em diversas áreas agrícolas. Um dos exemplos vem do Assentamento Margarida Maria Alves, a cem quilômetros de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. Lá, os cotonicultores receberam auxílio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
Em 2016, 15 famílias assentadas colheram e comercializaram cerca de cinco mil quilos de fibra, negociados antecipadamente, a dez reais o quilo, com a Associação da Indústria do Vestuário da Paraíba.
“Existem, aproximadamente, outras sete comunidades que trabalham da mesma forma que no Margarida Alves, só que plantando o algodão de fibra branca, de forma orgânica, ao invés do colorido”, conta o pesquisador Luiz Paulo de Carvalho.
Ele destaca que o cultivo de algodão colorido do Assentamento Margarida Maria Alves é realizado de maneira orgânica, “ou seja, durante a condução da lavoura, não é utilizado nenhum produto químico, como fertilizantes, inseticidas, fungicidas, reguladores de crescimento, entre outros”. “Quando necessário, faz-se a opção por esses produtos também no sistema orgânico”.
Produção sul-mato-grossense
Um dos quatro maiores Estados produtores de algodão branco do Brasil, Mato Grosso do Sul também está investindo no cultivo do algodão colorido. Cerca de 30 famílias de cotonicultores cultivam as variedades BRS Rubi e BRS Verde em sistema agroecológico, em consórcio com outras culturas, como fruteiras, gergelim e milho.
Em 2017, a previsão é a de que sejam plantados cerca de 30 hectares, alcançando uma média de um hectare por família. O cultivo foi feito em janeiro e a colheita, em maio deste ano.
Segundo a Embrapa Algodão, toda a produção foi previamente vendida para a empresa gaúcha Justa Trama, a R$ 9,50 o quilo da pluma, mais que o dobro do quilo da branca, cotado no mercado a R$ 4,60.
Meta
“Nós estamos estudando ampliar a produção, porque recebemos demandas de outras empresas, mas por enquanto não temos como atender”, conta o produtor Vitor Carlos Neves, de Ponta Porã (MS), que planta o algodão colorido há mais de seis anos.
Conforme o cotonicultor, a meta é chegar a 120 produtores. Para tanto, ele articula a realização de um projeto junto ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), com o apoio da Associação Sul-Matogrossense dos Produtores de Algodão (Ampasul) e do Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Outros seis municípios sul-matogrossenses, além de Ponta Porã, também investem na produção da fibra naturalmente colorida: Aral Moreira, Corumbá, Jaraguari, São Gabriel do Oeste, Sidrolândia e Terenos.
Atravessando fronteiras
De acordo com Neves, o conhecimento acumulado na produção algodoeira já atravessou a fronteira: “Nós apoiamos a formação de um grupo de produtores do Paraguai, que também fornece para a (empresa) Justa Trama. Hoje, já são 46 produtores paraguaios cultivando o algodão colorido”, relata.
Para o cotonicultor, além do valor diferenciado que os produtores recebem pela fibra, é motivo de orgulho saber que eles trabalham com um produto sustentável. “Nós fomos selecionados pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) como tecnologia social bem sucedida, o que nos incentiva a querer ampliar cada vez mais esse trabalho”, revela.
O cultivo do algodão colorido também vem sendo incentivado pelo governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer) e da Secretaria de Estado de Produção e Agricultura Familiar (Sepaf ). No ano passado, em parceria com a Embrapa Algodão, os dois órgãos promoveram um curso sobre cultivo orgânico da cultura, para produtores e técnicos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater).
“Nós apresentamos todas as etapas do sistema de produção do algodão colorido orgânico, com o intuito de que os profissionais de assistência técnica possam orientar os pequenos produtores que tiverem interesse no algodão colorido”, informa o analista de Transferência de Tecnologia da Embrapa Algodão, Felipe Macedo Guimarães.
Fonte: Embrapa Algodão