A produção in vitro de embriões permite incrementar o potencial genético de um rebanho em menor tempo. Sete animais já nasceram, fruto desta tecnologia
Projeto de pesquisa inovador em transferência de embriões de búfalos produzidos in vitro está sendo trabalhado na Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Por meio da técnica, é possível reduzir em mais de 50% o tempo que seria necessário para o melhoramento genético do rebanho bubalino. O trabalho é realizado em parceria com o Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ /USP), a empresa In Vitro Brasil S.A. e o Sítio Paineiras da Ingaí.
A tecnologia já existe e é amplamente utilizada em bovinos, mas em búfalos são poucos os trabalhos realizados visando, além da pesquisa, à exploração econômica. No ano de 2013, foram geradas sete gestações pela técnica de produção in vitro de embriões, o que resultou no nascimento de quatro bezerras e três bezerros em 2014, e estão previstos mais dez nascimentos para o segundo semestre deste ano. A Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento (UPD) da APTA, em Registro, é uma das poucas unidades de pesquisas do Brasil a realizar trabalhos exclusivamente com búfalos, com pesquisas iniciadas há 28 anos.
Técnica
O objetivo da técnica é produzir embriões a partir de oócitos coletados diretamente dos ovários de doadoras com alta produção leiteira, fertilizá-los em laboratório com sêmen de reprodutores provados, produzindo assim, embriões de elevado potencial genético. Esses embriões são implantados em fêmeas de baixa produção, a fim de melhorar a produtividade do plantel. Nos quatro primeiros trabalhos realizados na Unidade da APTA, um terço das búfalas receptoras tiveram gestação positiva após a transferência de embriões, eficiência similar à observada em bovinos.
Na pesquisa, o Sítio Paineiras da Ingaí fornece o material genético (oócitos e sêmen) de seus animais, a empresa In Vitro Brasil S.A., com expertise no processo de produção de embriões, realiza a coleta do material e a fertilização in vitro. A APTA prepara suas receptoras para a transferência dos embriões.
De acordo com o pesquisador da APTA, Nelcio Antonio Tonizza de Carvalho, com o uso da inseminação artificial, é possível transformar um rebanho de baixa produtividade em mediano em cerca de duas a três gerações, ou seja, de oito a doze anos. “Com a nova tecnologia, podemos transformar qualquer rebanho em excelente em apenas uma geração, o que corresponde a cerca de quatro anos, pois os animais produzidos terão, por origem, tanto o touro quanto a fêmea, elevada produtividade”, explica o pesquisador da APTA, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Mérito genético
Com a multiplicação de animais de elevado mérito genético, resta ao produtor assegurar condições de manejo, principalmente nutricional, que permitam expressar integralmente seu potencial produtivo e, por meio de controle sistemático da produção, promover a seleção dos melhores exemplares e assegurar gerações futuras de maior produtividade.
A tecnologia de produção in vitro de embriões permite aumentar a contribuição das fêmeas no processo de melhoramento genético. Com a utilização desta técnica, é possível aumentar o rigor e a velocidade de seleção e reduzir o intervalo entre gerações. A doadora dos embriões — uma búfala de genética superior — poderá rapidamente produzir inúmeras filhas e, estas, com aproximadamente 18 meses, já poderão também servir como doadoras. A aplicação dessa tecnologia nos bubalinos é relativamente recente e o objetivo da pesquisa é conhecer melhor suas particularidades e aumentar a eficiência de sua utilização em todas as etapas.
A produção in vitro de embriões envolve algumas etapas. Inicialmente, são recolhidos oócitos de ovários de fêmeas doadoras através de punção e aspirações realizadas em animais vivos, orientadas por ultrassonografia. Esses oócitos são levados ao laboratório onde são fertilizados e os embriões produzidos, cultivados por sete dias até estarem aptos a serem implantados, como no processo de inseminação, no útero de receptoras, previamente preparadas para recebê-los.
Para assegurar a origem do animal assim produzido, é realizado análise do DNA da doadora, do reprodutor e, após o nascimento do bezerro a fim de confirmar a paternidade.
Custo e benefício
O custo de um animal produzido pode ser até 10 vezes superior ao de um produto de inseminação artificial. Porém, o benefício alcançado em uma só geração pode representar grande economia no processo de melhoramento. “Após introduzir animais de mérito genético superior em seu rebanho, o produtor pode multiplicá-los a partir de doadoras de seu próprio plantel, utilizando as fêmeas de menor produtividade como receptoras, por uma fração do custo inicial”, afirma Otávio Bernardes, produtor do Sítio Paineiras da Ingaí.
Apesar de mais onerosa, a tecnologia poderá trazer benefícios para produtores de todos os portes. Isso porque o grande pecuarista — que terá mais acesso aos embriões produzidos in vitro — melhorará seu rebanho e poderá vender os animais menos produtivos aos pequenos, que por sua vez, melhorarão também sua produção.
Para explicar essa situação, o pesquisador da APTA toma como exemplo uma fazenda com média de produção de 1.500 litros de leite por búfala por ano. Ao fazer a transferência dos embriões produzidos in vitro, esse produtor terá potencial para passar a produzir três mil litros. A fazenda vai acabar eliminando os animais menos produtivos, que serão interessantes para quem produz 1.000 litros. “Dessa forma, o trabalho que parece ser para poucos, acaba sendo benéfico para muitos e pode modificar a realidade de uma região inteira”, afirma Carvalho. A tecnologia viabiliza a abertura de mercado para a compra e venda de embriões de búfalos, como acontece com os bovinos.
Parceria
A parceria para o desenvolvimento dessa nova tecnologia é realizada entre a pesquisa pública paulista, a iniciativa privada e produtor rural. A APTA e a FMVZ /USP são as instituições responsáveis pelo desenvolvimento de todo o procedimento técnico envolvendo a sincronização das receptoras, otimização da produção de oócitos das doadoras, estudos de meios de cultivo e avaliação do sêmen dos reprodutores e da manutenção da gestação obtida.
A empresa In Vitro Brasil S.A., com larga experiência na produção comercial de embriões bovinos, executa o processo de obtenção de oócitos das doadoras, a fertilização, o cultivo e a transferência para as receptoras da APTA. A In Vitro Brasil S.A. disponibiliza também a possibilidade de congelar os embriões, o que permite que ao criador fazer um banco de embriões para serem transferidos posteriormente. Os sete primeiros animais nascidos na APTA são oriundos de embriões previamente congelados pelo método de vitrificação.
O material genético utilizado na pesquisa é fornecido pelo Sítio Paineiras da Ingaí, que seleciona búfalos da raça Murrah com aptidão leiteira. Há mais de 40 anos o Sítio possui um dos melhores rebanhos do mundo desta raça, com plantel produzindo média de 3.462 kg de leite por lactação e exemplares com picos produtivos de até 25,7 kg/dia e produções de até 6.000 kg/lactação.
Produção de búfalos
O Brasil possui o maior rebanho bubalino do Ocidente, estimado pelo IBGE em 1,33 milhões de animais, sendo cerca de 80 mil no Estado de São Paulo, 23 mil somente no Vale do Ribeira, segundo a Associação dos Criadores de Búfalos do Vale do Ribeira. A principal atividade é a exploração leiteira, produzindo um produto com elevado teor de sólidos, quase que exclusivamente destinado à industrialização e cotado entre R$ 1,60 e R$ 2,20 o litro.
APTA possui uma das únicas unidades de pesquisa brasileira exclusiva para estudos com búfalos
A APTA é uma das únicas instituições de pesquisa brasileira que mantém uma unidade exclusiva para realizar estudos com búfalos, desde 1986. A unidade de pesquisa está localizada em Registro, interior paulista. Entre as contribuições para o setor está o desenvolvimento de protocolos de sincronização da ovulação, que possibilitam a inseminação artificial das búfalas durante o ano todo. Há 15 anos, as búfalas se reproduziam apenas na estação reprodutiva considerada favorável à espécie (outono e inverno), o que ocorre nas fêmeas bubalinas por conta da produção do hormônio melatonina, responsável pela produção e liberação de outros hormônios envolvidos com a reprodução. Por esse motivo, os animais concentravam a produção de leite em determinado período do ano, o que é ruim para todo setor produtivo.
Com o trabalho da APTA, hoje existe a possibilidade de tornar mais linear a produção de leite, pois, por meio da administração de fármacos, seguida da inseminação artificial em tempo fixo, as búfalas podem parir e entrar em lactação durante todos os meses do ano.