Imaginem uma superfruta que, despretensiosamente, surgiu há dois mil anos antes de Cristo e hoje, após testes em laboratórios, o suco de uma de suas partes pode fornecer em torno de 16% da necessidade diária de vitamina C de um adulto, por cada porção de cem mililitros. Este é todo o poder vindo da romã, que contém uma variedade de fitonutrientes que atuam como antioxidantes no organismo humano. Também é boa fonte de vitamina B5 (ácido pantotênico) e potássio, conforme relatório do Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf).
O arilo é a polpa esbranquiçada, translúcida e sucosa da romã, de onde se produz o suco “poderoso”; já a parte comestível da semente é chamada de testa. Pertence ao grupo das Punicáceas, pode ser consumida ao natural, ser destinada à fabricação de bebidas e para extração de ácido cítrico, segundo informações da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
A romã (Punica granatum) surgiu no Oriente Médio e Ásia Menor, tendo sido domesticada por iranianos, há mais de 40 séculos. Os fenícios levaram esta fruta para regiões próximas ao Mar Mediterrâneo; no Brasil, chegou pelas mãos dos colonizadores portugueses.
Histórias e lendas
Esta superfruta também é recheada de histórias que permeiam o imaginário da humanidade. Para os gregos, é símbolo de fecundidade e, no passado, foi consagrada à deusa do amor e da beleza, Afrodite. Os judeus, por sua vez, acreditam que ela simbolize a esperança de um novo ano, melhor que o anterior. Talvez por isto, muitos brasileiros tenham o hábito de comê-la no Reveillon, guardando suas sementes na carteira, assim como as uvas. Em Roma, na Itália, é símbolo da ordem e da riqueza.
Histórias, superstições e lendas à parte, o fato é que a romã tem capacidades medicinais conhecidas desde os tempos da Antiguidade. Por ser oxidante, mineralizante e refrescante, o chá produzido a partir dela é bastante utilizado contra infecções de garganta, e no combate a diarreias e disenterias.
Vermelha e amarela
Segundo especialistas, hoje existem dois tipos de romãs: a amarela, que contém grande quantidade de sementes e um pequeno mesocarpo (parte carnosa); e a mais famosa, a vermelha, que possui um pequeno número de sementes e uma grossa camada carnosa (por isto, é a mais encontrada e vendida em hortifrutis, feiras e supermercados).
A romãzeira é uma arvoreta que atinge de dois a cinco metros, de tronco acinzentado e ramos avermelhados, quando novos. Pode ter a forma de pequena árvore ou de arbusto, muitas vezes é podada em formas redondas ou ovais, daí ser facilmente encontrada como adornos em jardins domésticos.
A árvore se adapta facilmente tanto a climas tropicais e subtropicais quanto a temperados e mediterrânicos. As flores são vermelho-alaranjadas e simples, ocorrendo variedades de flores dobradas como a “legrellei”. Ainda existem modelos de flores matizadas de branco, simples e dobradas. Seus frutos são esféricos, com casca coriácea e grossa, amarela ou avermelhada manchada de escuro.
Cultivo
A planta de romã vai bem nos mais variados tipos de solos, mas o produtor, para alcançar êxito no cultivo desta superfruta, deve preferir os mais profundos, sempre sob o sol. Como é rústica, tem tolerância moderada à salinidade, às secas e ao encharcamento. Também resiste às temperaturas baixas de inverno, no entanto, é sensível às geadas tardias de primavera. Multiplica-se por sementes e por estacas de ponta.
Segundo a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati/SAA-SP), o espaçamento para cultivo deve ser de 2,5 por sete metros. Se o intuito é obter uma planta ornamental em parques e jardins, ela exige clima tropical ou subtropical. Mas para a produção de frutos, orienta o órgão, precisa crescer em uma atmosfera seca, com disponibilidade de água no solo. A árvore ainda pode ser usada na recuperação de solos salinos.
Para plantá-la, é importante fazer uma adubação com esterco de curral, farinha de osso e superfosfato simples, porque esta mistura auxilia a arvoreta a desenvolver sua raiz. Para que cresça e renda bons frutos, a adubação deve ser feita no outono, assim, a romãzeira produzirá suas primeiras flores na primavera.
Caso a intenção seja obter uma árvore maior, todos os despontares na base do tronco principal devem ser arrancados. Se a finalidade é ter um arbusto, as pontas devem ser cortadas para que se ramifiquem bastante e atinjam a forma desejada.
Consumo
De acordo com a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), as formas de consumo da romã podem ser a granada fresca, como componente de saladas ou sobremesa, suco, geleia, aromatizante e corante na composição de outros produtos. No Brasil, algumas de suas variedades estão sendo cultivadas nos Estados de São Paulo, Bahia e Pernambuco, que são os principais fornecedores desta superfruta para diferentes regiões do País.
Produtor de São Miguel Arcanjo, município do interior de São Paulo, André Yamanaka cultiva “super romãs” há 12 anos. Passado tanto tempo de experiência, ele admite que o brasileiro não tem o hábito diário de saborear esta fruta. O consumo maior, sem dúvida, é no fim do ano.
“As vendas de romã aumentam de forma vertical nesta época e consigo comercializar grande parte da produção”, informa o agricultor, que produz anualmente cerca de 150 toneladas da fruta. “A romã é muito procurada por outros países e a importada também é bastante consumida no Brasil. Vale a pena experimentar a nacional”, garante.
Segundo ele, as romãs que saem de sua propriedade são diferenciadas. “As que produzo, por exemplo, têm a semente super macia, têm brilho. O suco extraído tem a cor idêntica à do vinho tinto e algumas frutas chegam a pesar até 1,3 quilo, enquanto a média é de 700 gramas”, relata Yamanaka, em entrevista publicada no site da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.
Pesquisas
Em território nacional, “pesquisas realizadas têm demonstrado que existe a possibilidade de cultivo de espécies de climas tropical úmido, subtropical e temperada, com potencial econômico para as áreas irrigadas do Semiárido brasileiro”, aponta o documento “Aplicabilidade da técnica PCR-RAPD para a determinação do perfil genotípico de variedades de romã”(http://ow.ly/t4nP3017aZI), produzido por quatro pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
A Embrapa Semiárido (PE) também tem realizado pesquisas com a romã, desde 2011, mesmo período da unidade do Rio de Janeiro. Seu objetivo é agregar valor à fruta, aliando a elevação do consumo ao aumento da produção no Brasil. Por ser rico em ácido gálico — um flavonoide até três vezes mais eficaz que o vinho e o chá verde na prevenção de doenças cardíacas —, o suco da romã é foco de estudos em todo o mundo, por causa de suas propriedades antioxidantes, destaca a estatal.
A introdução de novas fruteiras, com potencial econômico para os principais perímetros irrigados da região Nordeste, também já foi alvo de pesquisa da Embrapa Semiárido (concluído em 2012), em parceria com produtores locais e a Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Leia sobre o tema “Efeito do método de extração na capacidade antioxidante dos óleos de semente de romã” em http://ow.ly/YyIA30179od (link encurtado).
De acordo com a Embrapa Semiárido, o cultivo de romãzeiras, apesar de ainda ocupar um nicho de produção e de mercado restrito, tem potencial de figurar como alternativa economicamente relevante na fruticultura desta região. A proposta se deve às possibilidades do desenvolvimento de alimentos de alto valor agregado, no mercado de alimentos funcionais.
Mal de Alzheimer
Uma doença ainda permeada de mistérios e desafios para a medicina pode ter na romã uma forte aliada. É que uma pesquisa feita com resíduos desta superfruta, realizada na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), em Piracicaba, constatou sua potencialidade na prevenção do Mal de Alzheimer. O estudo foi conduzido pela pesquisadora Maressa Caldeira Morzelle, do Departamentode Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN), sob a orientação da professora Jocelem Mastrodi Salgado.
De acordo com a Esalq, vários estudos apontam que, entre pessoas que consomem frutas e verduras regularmente, é raro o diagnóstico de doenças degenerativas em virtude da idade avançada. “Isto se deve ao fato de que a quantidade de antioxidante, presente nestes alimentos, é elevada”, comenta Maressa.
De acordo com a pesquisadora, na casca da romã é possível encontrar mais antioxidantes do que em seu suco e polpa. “Os antioxidantes são essenciais para a prevenção contra os radicais livres, que matam as células do nosso corpo, o que acarreta em doenças degenerativas em geral”, diz a especialista.
Sabendo disto, Maressa buscou alternativas que pudessem concentrar todo o extrato da casca em pó, para ser diluído como suco ou adicionado a sucos de outros sabores, levando em conta os desafios do processamento e armazenagem, além do fato de que a adição do composto bioativo não poderia afetar as propriedades sensoriais do produto final.
Desempenho
Segundo a Esalq, a conclusão de seu estudo foi bastante satisfatória em relação ao desempenho do extrato de casca da romã, elaborado com etanol e água, que não teve sua atividade anticolinesterásica (inibição de enzimas associadas ao Alzheimer) e sua capacidade antioxidante afetadas por esta forma de armazenamento. Ainda foram observados resultados positivos no preparado em pó para refresco, que não teve suas características sensoriais alteradas.
“Desta forma, verifica-se o potencial para a indústria no emprego das microcápsulas à base do extrato da casca da romã, como um ingrediente a ser incorporado na dieta, sendo um aliado na prevenção da doença de Alzheimer”, afirma Maressa.
Esta doença degenerativa e ainda incurável, acomete, na maioria dos casos, idosos com idade entre 60 e 70 anos. No Brasil, existem cerca de 15 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade; e 6% deste total sofrem com este problema, conforme dados da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz).
Em todo o mundo, 15 milhões de pessoas têm a mesma doença. Nos Estados Unidos, é a quarta causa de morte de idosos entre 75 e 80 anos, perdendo apenas para o enfarte, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e câncer.