Insuficiência de milho pode ser devido a fatores naturais como seca, queimadas, atraso no plantio e redução de área cultivada; e econômicos com aumento das exportações do grão em face da situação cambial favorável. A tendência é de quadro de oferta apertado em relação à demanda
O Brasil sagrou-se, em 2019, como o número no mundo em exportação de milho com o embarque de 44,9 milhões de toneladas, o que corresponde a um crescimento de 88% em relação ao ano anterior. O País superou até os Estados Unidos.
De acordo com análise da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), esse status tem duas faces: uma delas é a boa remuneração dos produtores de grãos e a outra envolve o encarecimento dos custos para os criadores de aves e de suínos, a exemplo de Santa Catarina. A cotação na Bolsa de Mercadorias Futuro (BMF/SC) passa de 50 reais a saca (valor do dia ).
Esse cenário confirma as previsões que a Faesc fez em setembro do ano passado em torno da possibilidade de haver uma a escassez de milho no mercado interno, em 2020.
“É uma situação que tem dois lados: enquanto beneficia o plantador de milho, ameaça acarretar sérios prejuízos para as cadeias produtivas da proteína animal e para o parque agroindustrial”, analisa o vice-presidente da Federação da Agricultura de SC, Enori Barbieri, ex-secretário de Estado da Agricultura de Santa Catarina.
Fatores naturais
Para a instituição, a insuficiência de milho pode ser decorrente de fatores naturais (como seca, queimadas, atraso no plantio e redução de área cultivada) e econômicos (aumento das exportações do grão em face da situação cambial favorável). A tendência é de quadro de oferta apertado em relação à demanda.
Por essa razão, o mercado brasileiro de milho inicia 2020 com perspectiva de preços firmes, pelo menos, para este primeiro semestre. Nesse ano, a produção brasileira do grão é estimada em 104,135 milhões de toneladas, com queda de 3% em relação ao resultado de 2019, que foi de 107,375 milhões de toneladas.
Barbieri acredita que a situação cambial deve estimular as exportações, “enxugando” o mercado interno. Se essa situação se confirmar, em 2020, o milho em grão pode ficar mais escasso e mais caro.
“Ficou difícil segurar o produto no País com a cotação internacional e, por isso, a fuga de grãos continua”, diz o vice-presidente da Faesc.
Importação da Argentina
Presidente da Federação da Agricultura de SC, José Zeferino Pedrozo – que também é vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) – já levou o assunto a Brasília.
Para ele, a saída será ampliar as importações de milho da Argentina – que produz 50 milhões de toneladas e tem baixo consumo interno. Porém, o governo argentino decidiu tributar as exportações agrícolas, fato que encarecerá o preço final desse grão.
Rota do Milho
Na visão de Pedrozo, além disso, deve prosperar a chamada “Rota do Milho”, que ligará o oeste catarinense à região produtora do Paraguai. Esse país-membro do bloco econômico Mercado Comum do Sul (Mercosul) produz 5,5 milhões de toneladas, mas pode chegar a 15 milhões com o estímulo das importações brasileiras. O intuito dos produtores catarinenses é importar o cereal da nação vizinha, reduzindo seus custos com transporte do grão.
O bloco do Mercosul é formado por Estados Partes (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela – país que está suspenso do grupo) e Estados Associados (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname).
Segundo decretou o bloco em 2017, sobre a situação da Venezuela: “a suspensão cessará quando, de acordo com o estabelecido no artigo 7º do Protocolo de Ushuaia, se verifique o pleno restabelecimento da ordem democrática na República Bolivariana da Venezuela”.
Na opinião do vice-presidente da Faesc, a redução no plantio em Santa Catarina e no Brasil está claramente detectada: “A situação será difícil em 2020 e já deve faltar milho no primeiro semestre. O cenário é preocupante porque, da demanda total, 96% destinam-se à nutrição animal, principalmente dos plantéis de aves e suínos”.
Dependência perigosa
Na avaliação da Faesc, o mercado interno pode se tornar dependente da segunda safra (a “safrinha”), a ser colhida em julho deste ano, que responde por 70% da produção total de milho. Essa safra, por sua vez, dependerá totalmente do clima e, se as chuvas não forem suficientes, os quadros de oferta e de demanda ficarão “extremamente desequilibrados”.
“A agroindústria espera que a segunda safra de milho garanta o abastecimento no segundo semestre, regularizando o cenário de oferta”, diz Barbieri.
Ele alerta, diante disso, para uma possível dependência do País: “O Brasil ficará dependente de três variáveis incontroláveis: o clima para essa safrinha, o clima para a safra norte-americana e o fluxo de exportações no segundo semestre”.
Diante da estiagem, por exemplo, “produtores de milho do Rio Grande do Sul já registram perdas de até 15%”. “Por outro lado, a seca que atinge o Paraná atrasará em 30 dias a colheita e a safrinha somente será colhida em julho”.
Para agravar esse cenário, “cinco milhões de toneladas serão transformados em etanol de milho no Centro-oeste do Brasil, o que reduzirá ainda mais a disponibilidade do grão neste ano”, ressalta o vice-presidente da Faesc.
Mais vulnerabilidade
Por causa do clima, conforme o executivo, ainda não é possível avaliar o volume de produção previsto para a safrinha de 2020, no Brasil, e para a safra dos EUA. “Mas é certo que esses fatores influenciarão a formação de preços do milho na Bolsa de Chicago e no mercado interno.”
Segundo a Faesc, o Brasil iniciou 2020 “muito vulnerável, com estoques baixos e totalmente dependente do clima”. “A preocupação é coerente com a previsão para Santa Catarina que o Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola da Epagri (Epagri/Cepa) divulgou.”
Ela indica que o milho-grão total (primeira e segunda safras) enfrentará queda de 1,07% na área plantada; de 3,16% do volume produzido; e de 2,12% na produtividade em relação à safra anterior. E “essa é uma tendência nacional”.
Déficit em SC
Em Santa Catarina, o déficit de milho – que agora chegará a 4,5 milhões de toneladas ao ano – é suprido pelas importações interestaduais de outros Estados brasileiros, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, além das importações da Argentina e do Paraguai.
A Faesc destaca que a soja é a principal concorrente em área com o milho no Estado. “A constante valorização do preço da soja e a forte oscilação nos preços do milho estimularam a conversão das áreas de milho para o plantio da soja, principalmente nas regiões oeste e meio-oeste”, informa Barbieri.
“Desde 2012/2013, a área destinada às lavouras de milho-grão reduziu-se em mais de 150 mil hectares. Por outro lado, o crescimento da área cultivada para a produção de milho-silagem é outro fator que reduz a oferta de milho-grão para a suinocultura e a avicultura.”