Localizada em uma importante região produtora de alimentos do Estado do Rio de Janeiro, a cidade de Nova Friburgo foi atingida duramente pelas chuvas de janeiro de 2011. Ainda hoje, a população enfrenta as consequências desse desastre natural e as perdas materiais ainda são visíveis na região. Mas o trabalho dos empreendedores locais não parou. O engenheiro agrônomo Marc Ferrez Weinber é um deles, continuando a produzir orgânicos em sua propriedade, o Sítio Quaresmeiras
Por que a opção pelo sistema orgânico de produção? Mantinham algum empreendimento agrícola anterior?
Não, e desde o início a opção foi pela produção orgânica. Começamos em 1995, mas transformar as intenções em realidade não foi fácil. A técnica teve que ser desenvolvida totalmente na prática. Os riscos inicialmente eram grandes, os volumes muito pequenos, longas distâncias para a entrega e o lucro mínimo. Porém, a qualidade do ambiente de trabalho e de vida e a satisfação de realizar algo significante foram os fatores que deram persistência à iniciativa.
Onde se localiza a propriedade? Como integram a preservação da mata com as áreas de produção?
O Sítio Quaresmeiras está no município de Duas Barras, na região de Nova Friburgo (RJ). O nome se refere a uma árvore de flores roxas, característica na mata do local. Eu e Nicole Weinber, que é cientista ambiental, buscávamos uma vida integrada com a natureza, e o sítio surgiu desta vontade. Decidimos encontrar um lugar de natureza bem preservada, que ao mesmo tempo fosse minimamente próximo a um mercado que valorizasse a produção baseada nos princípios da ecologia. São 145 hectares, dos quais 95% preservados, cercados por montanhas de pedras altíssimas, que isolam um vale preservado de Mata Atlântica, com uma área agrícola baixa e mais plana encaixada no seu centro.
A conservação da Mata Atlântica no Sítio trouxe que benefícios?
Muitas vezes vista como um empecilho, a mata nos dá água potável e em quantidade para irrigar toda a produção sem utilização de bombas. A vegetação também serve como barreira contra fontes de contaminação que poderiam ser causadas pelos vizinhos. Ela também nos fornece o equilíbrio ambiental necessário para evitar que insetos em níveis normais se tornem pragas, como é o caso das formigas saúvas, cortadeiras extremamente comuns nas propriedades vizinhas, mas não no Sítio Quaresmeiras. Das flores da mata as abelhas produzem um mel silvestre muito apreciado pelos clientes. A mata é o ambiente que nos cerca, a nossa casa. Somos orgulhosos de compartilhar este lugar com uma rica fauna. Os sapos são a nossa “dedetização” natural e a prova de que o nosso ambiente é limpo, já que esses anfíbios são muito suscetíveis à poluição.
Foi necessário recuperar alguma área degradada para implantar o sistema ou fazer análise do solo?
Os solos do Sítio Quaresmeiras são monitorados por análises químicas. Ao longo de mais de uma década sob o manejo orgânico conseguimos constatar um aumento do teor de matéria orgânica de 2% para 3%, pH de 5,5 para 6,5; a CTC de 11 para 13 e a saturação de bases de 40 para 70% ou seja, tornamos um solo infértil e ácido em solo fértil e de acidez ideal. No Sítio Quaresmeiras, as áreas de erosão, a beira de córregos e nascentes nas pastagens foram isoladas com cercas de mourões vivos das espécie Gliricidea. À vegetação nativa foi dada a chance de se restabelecer. Em outras áreas fora de pastagens, foram implantadas agroflorestas. É possível reparar a melhoria na turbidez do córrego, que hoje apresenta um valor de um décimo do permitido para água potável. Já os sólidos totais dissolvidos na água são 100 vezes inferiores aos valores permitidos para água potável.
Já observaram surtos de pragas nas culturas? Em linhas gerais, como combatê-las no sistema orgânico?
Mesmo com o ambiente preservado, o cultivo orgânico esbarra em desafios no manejo de insetos e doenças. Para obter um produto de qualidade como o do Sítio Quaresmeiras, é necessário esmero e rigor no atendimento das necessidades da cultura. Fazer a poda das frutíferas na época ideal, por exemplo, é essencial para evitar doenças. A irrigação localizada também evita a dispersão de doenças na parte aérea da planta. Os pomares roçados não muito baixos, em vez de capinados, aumentam a população de insetos predadores dos que se alimentam das frutíferas. O solo com muita vida, consequência da adubação orgânica, além de inoculações com microrganismos benéficos, evitam doenças das raízes e aumentam o equilíbrio nutricional das plantas, dificultando ataques.
Contudo, mesmo com todos esses cuidados, alguns problemas surgem, como a mancha parda nos pêssegos, os pulgões nas goiabas e a ferrugem no figo. Essas pragas exigem um plano de pulverizações com caldas fertiprotetoras e repelentes que, em muitos casos, ajudam, mas não resolvem totalmente os problemas. Creio que a tecnologia para a produção orgânica no Brasil ainda esteja em seus estágios iniciais. Mesmo assim, acreditamos que é melhor trabalhar “com” a natureza, em vez de “contra” ela.
Quais produtos estão sendo fabricados atualmente? Existem épocas de menor oferta? Como contornar tal situação?
Nossa linha de produtos é baseada nas matérias-primas produzidas na propriedade, como os doces de goiaba, pêssego, figo, laranja da terra, banana, além de biscoitos. Estes produtos são oferecidos durante o ano inteiro e, em determinadas safras, temos frutas frescas e outros produtos, oferecidos no mercado local.
Que meios o Sítio utiliza para divulgar seus produtos? Em sua opinião, quais vantagens/benefícios o Sítio Quaresmeiras adquire ao participar de eventos como feiras e exposições de negócios?
A participação em feiras e eventos nos permitiu uma expansão para fora do estado do Rio e firmar a nossa marca. Também nos fez conhecer outros produtos e soluções que existem no mercado, como novos métodos de processar alimentos, representantes, compradores.
Como é o relacionamento com o consumidor que frequenta as feiras orgânicas?
É interessante a interação direta com consumidores finais nas feiras do circuito orgânico do Rio de Janeiro e em outras eventuais. É uma belíssima oportunidade de valorização de nosso produto e dos orgânicos em geral. O olho a olho vale muito. É a frente de conscientização, que cria vínculos muito próximos dos produtores com os consumidores. Além de criar mais confiança no produto e no orgânico, o freguês sente como sua participação individual faz diferença para a preservação do meio ambiente. Gostamos de explicar que a compra deles ajuda a viabilizar a nossa permanência no Sítio, e portanto, a proteção do mesmo.
A não utilização de produtos químicos nas compotas orgânicas influi no tempo de conservação? Em caso positivo, como contornar isso para manter o produto estável?
O processamento sem aditivos químicos exige um grande rigor nas boas práticas de produção, principalmente no envase de conservas e geleias. Já as frutas em calda não apresentam diferença de validade de outros convencionais semelhantes, mas os doces de corte apresentam uma validade relativamente menor do que os que contêm conservantes químicos. Interessante é que, para o consumidor, isto é como uma prova da autenticidade do produto. Porém, para facilitar negócios com lojas, o Sítio Quaresmeiras está trabalhando em parceria com a Embrapa Agroindústria para aumentar a validade de nossos doces de corte e biscoitos.
Podem fazer uma pequena análise do mercado orgânico no Estado do Rio ou mesmo no Brasil, em termos de volume comercializado, conhecimento do público etc.?
O principal entrave à disseminação dos orgânicos no Brasil é o tamanho do mercado. Devido aos pequenos volumes produzidos, hoje temos que trabalhar com mais diversidade de produtos do que seria desejável em termos de gerenciamento. Uma escala pequena tende a aumentar os custos da produção, o que é sempre um entrave a mais para venda.